CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - O motorista de aplicativo Sergio Henrique Lima dos Santos, 19, suspeito de matar Rhianna Alves, uma mulher trans de 18 anos, foi preso nesta quarta-feira (10). O crime aconteceu na cidade de Luís Eduardo Magalhães (BA) na noite de sábado (6).
A Polícia Civil da Bahia informou que concluiu o inquérito e o indiciou por suspeita de feminicídio. A reportagem entrou em contato com a defesa dele nesta quarta, mas não teve resposta.
Após matar Rhianna, Sérgio foi até a delegacia da cidade com o corpo da mulher no carro e admitiu que a estrangulou com um golpe de "mata-leão". Segundo nota divulgada pela Polícia Civil à imprensa na terça (9), ele foi ouvido e liberado na sequência, para responder ao crime em liberdade, "em razão de ter se apresentado espontaneamente na unidade policial e confessado o crime".
A liberação do suspeito gerou repercussão, com críticas de coletivos, entidades e políticos.
A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) informou à reportagem que encaminhou ofícios ao Ministério Público e à Secretaria de Segurança Pública da Bahia nos quais afirma que a apresentação espontânea do suspeito "não afasta por si o estado de flagrância, o que configura grave irregularidade funcional por parte da autoridade policial que recebeu a ocorrência".
"Além da irregularidade procedimental, há elementos que sugerem possível influência de preconceitos transfóbicos na condução inadequada do caso", continuou ela, que pediu uma correição especial na delegacia "para verificar se há padrão de irregularidades semelhantes em outros casos, especialmente envolvendo vítimas LGBTQIAPN+".
O advogado Ives Bittencourt, assistente jurídico da Secretaria Municipal da Reparação da Prefeitura de Salvador e membro da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) da Bahia, também criticou a condução do caso pelas autoridades policiais.
"Será que, se uma mulher trans tivesse matado um homem cisgênero heterossexual, ela seria liberada do mesmo modo? É óbvio que não. Isso é reflexo de transfobia institucional. A lei permite sim que, em caso de colaboração com a Justiça, não seja deflagrado o flagrante de imediato. Todavia, diante da frieza da situação, do jeito que aquele corpo foi invalidado e apagado, é óbvio que ele deveria ter sido autuado em flagrante", afirmou Bittencourt, em entrevista à Folha de S.Paulo.
O advogado também questiona a tese de legítima defesa, que teria sido apresentada pelo suspeito no relato que ele fez na delegacia. "A lei estabelece que a legítima defesa deve ser moderada. Então como é que uma pessoa se sente ameaçada e mata a outra com mata-leão? Isso não tem moderação. É completamente desproporcional e violento", disse ele.
Nesta quarta, em nota, a Polícia Civil justificou a liberação, informando que "o delegado plantonista que atendeu a ocorrência optou por juntar a confissão com os laudos periciais e outros depoimentos para o pedido de prisão preventiva junto ao Poder Judiciário, uma vez que a legislação permite que nestas circunstâncias o investigado responda em liberdade".
De acordo com o coordenador regional de Barreiras, delegado Leonardo Mendes Júnior, a prisão aconteceu depois que se conseguiu reunir "todos os elementos probatórios necessários para a consolidação do pedido da medida judicial".
"Priorizamos robustecer o procedimento com a finalidade de garantir a retirada do acusado do convívio social, tendo em vista que complementam os primeiros fatos e informações coletados no início da ocorrência", afirmou Mendes Júnior, através da assessoria de imprensa da Polícia Civil.
O suspeito tem residência em Barreiras, cidade vizinha a Luís Eduardo Magalhães, mas foi preso em Serrinha (distante cerca de 700 km de Barreiras). A reportagem apurou que os investigadores suspeitam que ele tenha fugido da cidade onde mora após repercussão do caso.
Nesta quarta, ele foi conduzido para uma unidade policial e passará por exames de lesões corporais no Departamento de Polícia Técnica.
Segundo o advogado Ives Bittencourt, que está acompanhando o caso, Rhianna tinha "se assumido enquanto mulher trans há uns cinco meses e trabalhava em um mercadinho".
Em um perfil nas redes sociais, ela se mostrava como influenciadora digital e costumava publicar fotos com as roupas que ganhava de lojas. A reportagem não conseguiu contato com a família dela.
Segundo Bittencourt, Luís Eduardo Magalhães é uma das cidades mais violentas da Bahia para população trans. "Temos registros de 10 assassinatos de pessoas trans nos últimos 10 anos. Em 2023, tivemos o caso da Lorena Fox, que também teve uma repercussão enorme", disse ele.
De acordo com um relatório da Transgender Europe (TGEU) publicado em novembro, e divulgado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), o Brasil segue ocupando, pelo 18º ano consecutivo, o primeiro lugar entre os países que mais assassinam pessoas trans e travestis no mundo.