BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Os números da Enel em São Paulo mostram que a empresa tem o pior desempenho entre as distribuidoras paulistas de energia quando a tarefa é restabelecer a eletricidade após temporais.
Os números foram levantados pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e pela Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo) e evidenciam as dificuldades da companhia na prestação do serviço após eventos climáticos.
Na Neoenergia Elektro, 13 mil consumidores estavam sem luz (0,42%) no horário, com ocorrência mais intensa em Tapiraí, Campos do Jordão e Ribeirão Branco. A CPFL registrava no mesmo instante 3.678 clientes afetados (0,019% da base da empresa), principalmente em Águas de Santa Bárbara e Ubirajara.
Em sua defesa, a Enel afirma que a área de concessão da companhia é diferente daquelas de responsabilidade das outras empresas. Isso porque a cidade de São Paulo, onde a concessionária atua, tem densidade maior do que a média das outras distribuidoras.
"A área em que a Enel São Paulo atua tem 20 vezes mais clientes por quilômetro de rede do que a média das distribuidoras do país, por isso, as áreas de diferentes concessões não são comparáveis."
Integrantes de órgãos fiscalizadores ouvidos pela Folha colocam em xeque o argumento. Se por um lado pode fazer sentido a visão de que um evento específico (como uma queda de árvore) afeta mais clientes na capital paulista, essa mesma densidade beneficiaria a agilidade da retomada de serviços (com uma equipe atendendo de forma facilitada diferentes unidades).
Dados de eventos anteriores reforçam como os problemas ficam concentrados na carteira da Enel. Números levantados pelo diretor Fernando Mosna, da Aneel, evidenciam um padrão de resposta da companhia chamado por ele de "lento e ineficaz".
O diretor analisou em ofício o evento ocorrido na tarde de 22 de setembro, quando houve outra rodada de interrupção de energia após ventos de 98 km/h em São Paulo. Às 22h daquele dia, a Enel só tinha religado 31% das unidades atingidas em sua área de responsabilidade. A Elektro, segunda pior colocada, havia restabelecido o serviço em 45% dos casos. A CFPL Piratininga, terceira no ranking, registrava o percentual de 55%.
A Enel manteve a lanterna nas horas subsequentes. Às 9h do dia seguinte, a empresa tinha religado 64% das unidades afetadas em sua área. A EDP SP, segunda pior no horário, tinha ligado 70%.
Na última quarta (10), Mosna enviou novo ofício à Enel dando cinco dias para a empresa explicar os problemas nesta semana e citou o risco de perda de contrato. "A constante recorrência e a gravidade das falhas na prestação do serviço constituem descumprimento de cláusulas contratuais e dispositivos legais e regulamentares, podendo ensejar a recomendação de caducidade da concessão", afirmou o diretor no documento.
No dia seguinte, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) defendeu a intervenção federal na empresa e criticou a possibilidade de o governo Lula (PT) renovar o contrato. Depois disso, à noite, o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) criticou Tarcísio por, segundo ele, politizar o assunto e enviou ofício à Aneel recomendando "urgente e ampla fiscalização".
A concessionaria já enfrenta um processo de fiscalização na agência federal por falhas observadas em outubro de 2024, que pode resultar na perda do contrato. O processo foi alvo de pedido de vista pelo diretor Gentil Nogueira, que tem até fevereiro para analisar o tema.
Após a abertura do processo, a empresa apresentou um plano de recuperação analisado pela diretoria da Aneel. A visão é que os integrantes da agência reguladora poderão comparar o desempenho da empresa observado no ano passado e também ao longo do período de chuvas (até o começo de 2026) para chegarem a uma conclusão se a companhia melhorou a prestação de serviços de forma satisfatória.
A lei sobre concessão e permissão em serviços públicos diz que o poder público pode intervir na execução do contrato para assegurar o cumprimento das normas, mas o processo é visto como problemático até mesmo entre especialistas do setor.
A intervenção deve ser declarada pela própria Aneel. É elaborado um plano com a designação do interventor, o prazo da intervenção e os objetivos e limites da medida. A administração do serviço é devolvida à concessionária ao fim do processo caso não seja extinta a concessão.
Felipe Fonte, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Direito Rio, diz que o poder público pode ir além e concluir pela caducidade do contrato. Nesse caso, pode assumir a execução do serviço diretamente ou contratar uma empresa de maneira emergencial.
Ele diz, no entanto, que esse tipo de procedimento é arriscado. "Esses processos tendem a ser traumáticos. O poder público tenta evitar porque aquele prestador já tem o conhecimento sobre o serviço. Mudar gera dificuldades para quem vai assumir", afirma.
Enquanto passa pelos problemas, a Enel tem outro processo na Aneel que pode beneficiar a companhia. Recentemente, a equipe técnica da agência não viu infrações da empresa às regras estabelecidas pelo governo Lula para a renovação antecipada de concessões de distribuidoras.
A possibilidade de renovação existe porque os contratos de empresas de energia têm encerramento previsto de 2025 a 2031, e o governo abriu caminho para elas estenderem a concessão por mais três décadas com base em novos termos. Há cerca de dois meses, no entanto, a Justiça determinou a suspensão qualquer ato de prorrogação da concessão da Enel em São Paulo enquanto não for concluída a análise sobre a caducidade do contrato.