SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - No litoral canadense, uma aliança improvável entre orcas e golfinhos pode estar ajudando ambas as espécies a capturar peixes com mais eficiência, de acordo com um novo estudo. Dados obtidos com a ajuda de drones, câmeras e microfones subaquáticos mostram que os dois tipos de cetáceos nadam e capturam suas presas juntos, sem nenhum indício de interações agressivas.

De acordo com a pesquisa, que saiu na última quinta (11) na revista especializada Scientific Reports, é possível que os golfinhos-de-laterais-brancas-do-pacífico (Lagenorhynchus obliquidens) estejam atuando, na prática, como batedores das orcas (Orcinus orca). Eles iriam na frente dos cetáceos maiores, localizando cardumes de peixes e indicando a presença deles com suas vocalizações características, os chamados cliques. Com a chegada das orcas, os golfinhos ganhariam a chance de ficar com pedaços de peixes que sobram da investida dos animais maiores.

Caso a análise esteja correta, a equipe liderada por Sarah Fortune, da Universidade Dalhousie (localizada em Halifax, no Canadá), terá documentado um caso relativamente raro de caça cooperativa conduzida por duas espécies diferentes -conforme seria de esperar, a cooperação para caçar é mais comum entre animais da mesma espécie e do mesmo bando.

A convivência entre as orcas e a espécie de golfinho (que ganhou o apelido popular por ter uma faixa bem mais clara de pele mais ou menos da altura do olho até a barriga) já era bem conhecida na região da Colúmbia Britânica, na costa oeste canadense.

A paz entre os dois predadores, apesar da diferença de tamanho (os golfinhos não passam dos 2,5 m, enquanto as orcas podem ter 8 m), é possível, em parte, porque um subgrupo da espécie maior na região, as chamadas orcas residentes setentrionais, dedica-se quase exclusivamente à captura de um único tipo de peixe. Trata-se do salmão-rei (Oncorhynchus tshawytscha), que pode alcançar até 60 kg. Há outra "tribo" de orcas na região, que caça mamíferos marinhos, mas é claro que os golfinhos as evitam.

Havia várias hipóteses para tentar explicar a proximidade entre as espécies, como a do cleptoparasitismo -ou seja, os golfinhos acompanhariam as orcas para roubar as presas delas-, ou mesmo a do uso das orcas comedores de peixe como uma espécie de escudo cetáceo contra as predadoras de mamíferos.

Para tentar tirar essa dúvida, a equipe de Sarah Fortune, que inclui outros três colegas, usou ventosas, presas a uma espécie de vara de fibra de carbono, para grudar câmeras e microfones no corpo de orcas adultas e consideradas saudáveis. As ventosas foram projetadas para desgrudar do bicho em no máximo 24 horas, minimizando assim o incômodo para o animal. Como as câmeras ficam viradas para a frente, os pesquisadores, em tese, ganham uma visão do cenário submarino similar ao que as orcas estão enxergando conforme nadam.

Complementando essa tecnologia com o uso de drones, os pesquisadores verificaram que, na grande maioria dos casos, são as orcas que seguem os golfinhos canadenses, e não o contrário, contrariando a hipótese do cleptoparasitismo. Mais interessante ainda, elas tendem a mergulhar mais fundo e a emitir menos sons de ecolocalização (o "sonar" desses animais, semelhante ao que os morcegos usam para voar à noite) quando os golfinhos estão junto com elas.

São esses dados que, segundo os cientistas, fortalecem a hipótese de que os cetáceos menores podem estar atuando como batedores dos maiores, ajudando-as a localizar cardumes de peixes. Ao mesmo tempo, a equipe observou os golfinhos comendo pedaços de salmões-reis que tinham sido atacados anteriormente pelas orcas.

Esse último dado é importante porque, sem a ajuda dos colegas de grande porte, os golfinhos não parecem ser capazes de capturar os salmões -trata-se de uma presa grande demais para eles. Em vez disso, eles concentram seus ataques em peixes menores, como um tipo de arenque.

Pode ser um indício, portanto, de que a companhia das orcas ajuda os golfinhos a ter acesso a um tipo de presa que eles não conseguiriam comer em circunstâncias normais. Caso todas as peças de fato se encaixem, faria sentido falar numa relação cooperativa boa para ambas as espécies, cada uma delas contribuindo com algo que facilita a vida da outra -um sistema rápido e prático de localização de presas, beneficiando as orcas, e as sobras dos salmões, beneficiando os golfinhos. Segundo os pesquisadores, agora é preciso verificar quão frequente e confiável é o sistema colaborativo entre as espécies.