SÃO PAULO, (FOLHAPRESS) - Uma prova com questões de múltipla escolha e uma redação. É assim a grande maioria dos atuais vestibulares. Nos últimos anos, porém, instituições têm incorporado outras etapas aos processos seletivos em busca de um retrato além da prova tradicional.
A adoção desse modelo busca nos candidatos habilidades que não aparecem nas provas, mas pesam no desempenho acadêmico e profissional, como comunicação e postura diante de situações do dia a dia. Com esse modelo de vestibular, as instituições querem analisar as capacidades comportamentais dos alunos, além dos conhecimentos teóricos.
Esse modelo de processo seletivo já é comum em universidades no exterior, que além de usar o resultado de prova, também utilizam outros componentes no processo de entrada --como participação em atividades extracurriculares, histórico escolar, redações e cartas de recomendação.
As etapas adicionais, como as entrevistas, têm como foco a avaliação socioemocional dos candidatos. Esses aspectos, que segundo eles, passam despercebidos nas avaliações tradicionais.
A Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein adota entrevistas na seleção dos estudantes de seu curso de medicina. Na primeira fase do processo, os candidatos fazem a prova tradicional, com questões de múltipla escolha. Os aprovados nessa fase vão para a segunda etapa, chamada de "Múltiplas Minientrevistas (MME)".
Júlio Monte, diretor acadêmico do Ensino Einstein, explica que as entrevistas buscam identificar outras habilidades necessárias para a área médica.
"É uma área onde você precisa ter uma certa maturidade, algumas competências socioemocionais, como trabalho em equipe, comunicação, empatia, que vão ser tão importantes quanto o conteúdo técnico", afirma Monte.
O diretor conta que dos 8.000 candidatos que fizeram a primeira parte do vestibular, apenas os 500 melhores avançaram para a fase das MME. Monte explica que, em alguns casos, candidatos que foram os primeiros colocados na primeira fase do vestibular acabam perdendo posições ou não são aprovados na fase de entrevistas
"Não fazemos mais nenhuma avaliação de conteúdo do ensino médio na segunda etapa. Isso já foi, sabemos que eles são bons. Agora precisamos fazer um filtro se eles estão preparados e maduros para entrar no curso de medicina", explica.
As MME são formadas por oito estações de entrevistas. Em cada uma delas, o candidato é apresentado a um cenário antes de entrar na sala.
No corredor, o estudante tem dois minutos para ler o caso que servirá como base para sua avaliação.
Num exemplo citado por Monte, o enunciado coloca o participante na seguinte situação: em uma residência estudantil, ele recebe por telefone a notícia de que o pai de Pedro --seu colega de quarto-- sofre um grave acidente de carro e está internado na UTI. A missão deste candidato é passar essa informação a Pedro.
Ao entrar na sala, o participante encontra um ator preparado para interpretar o colega de quarto. A partir disso, ele deve conduzir a conversa como se estivesse diante de uma situação real.
Durante toda a interação, o avaliador observa a postura do candidato e sua capacidade de lidar com cenários sensíveis. Isto é feito para testar habilidades como comunicação, empatia e pensamento crítico.
A adoção de etapas além da prova tradicional no processo seletivo é realidade também em outras universidades no Brasil. No Paraná, a Faculdade Donaduzzi também adotou a fase de entrevistas para selecionar novos estudantes. A instituição oferece cursos nas áreas de tecnologia e administração.
"Nós sempre ouvimos falar que as pessoas não são desligadas do trabalho pelas questões técnicas, mas são pelas comportamentais. Nós demos um passo além, para compreender toda essa questão cognitiva", afirma Paulo Roberto Rocha, vice-presidente do Biopark, responsável pela instituição.
O processo de seleção da Donaduzzi é dividido em três etapas. A primeira é composta por redação dissertativo-argumentativa. Já as fases seguintes avaliam o perfil acadêmico e o comportamento dos candidatos.
A seleção é realizada por agendamento e pode levar até quatro horas. Dayane Sabec, gerente acadêmica da instituição, explica que a fase é aplicada em grupos reduzidos para garantir maior precisão e efetividade.
Outras universidades reforçam que o vestibular precisa ir além da aferição de conteúdo. O vice-presidente acadêmico da ESPM, Tatsuo Iwata, ressalta que o mercado de trabalho exige cada vez mais competências como pensamento crítico, capacidade de resolução de problemas, comunicação clara, criatividade e postura ética.
"A prova tradicional avalia conhecimentos cognitivos, mas não capta plenamente essas competências. Por isso, a instituição optou por um modelo ampliado, capaz de observar o candidato de forma mais completa e coerente com o perfil profissional exigido hoje", afirma.
Diferentemente de outras instituições, a fase de entrevista da ESPM ocorre antes da prova escrita. A nota final do processo seletivo é composta pelos pontos das duas etapas juntas.
Iwata aponta que esse formato de seleção tem caráter qualitativo e complementa a objetividade da prova escrita. Segundo o vice-presidente acadêmico, a entrevista permite avaliar motivação, clareza na escolha do curso, capacidade de argumentação, autonomia intelectual, criatividade e visão de mundo do participante.
"Dessa forma, a entrevista confirma e amplia o que se observa na prova --e muitas vezes revela potenciais que não aparecem em um exame tradicional", afirma ele.
Júlio Monte, do Ensino Einstein, explica que as situações presentes no momento da avaliação não são tão complexas e não fogem do cotidiano do estudantes
"Nós nos surpreendemos com o poder de argumentação desses jovens. Não exigimos uma maturidade de um adulto, nós sabemos que estamos avaliando os jovens de 17, 18 anos durante seis minutos", afirma.
De acordo com as instituições, os entrevistadores que conduzem as etapas de entrevista passam por treinamentos específicos. No caso da ESPM, essa formação inclui capacitação com psicólogos e pedagogos, voltadas a padronizar critérios e garantir equidade nas entrevistas.
Na faculdade Donaduzzi, a entrevista é realizada por profissionais contratados de uma empresa externa especializada nesse tipo de avaliação. Os profissionais são psicólogos e especialistas de RH.
No Einstein, os avaliadores também recebem treinamentos. A diferença é que o quadro é formado por profissionais da própria instituição, como médicos, enfermeiros e psicólogos.