SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - Todos os crocodilos e jacarés de hoje são caçadores semiaquáticos, com crânio relativamente longo e achatado, e um novo estudo pode ter desvendado a principal lógica evolutiva por trás disso. Embora esse não seja o formato craniano ideal para morder as presas, é o que funciona melhor debaixo d?água.
A conclusão, que está num novo trabalho assinado por pesquisadores brasileiros e colegas do exterior, baseia-se em tomografias da cabeça dos bichos, incluindo tanto espécies viventes (modernas) quanto as que existiram durante a Era dos Dinossauros. A pesquisa saiu no mês passado no periódico científico Proceedings of the Royal Society B.
A comparação entre animais modernos e antigos é importante porque a forma atual do crânio desses répteis, embora varie relativamente pouco entre as espécies viventes, é só parte de uma diversidade muito maior de morfologias (formatos).
No Brasil do período Cretáceo, por exemplo ?ou seja, a fase final do reinado dos dinossauros, entre 143 milhões de anos e 66 milhões de anos atrás?, muitos membros do grupo tinham crânios semelhantes aos dos dinossauros carnívoros. E, tal como eles, também caçavam em terra, e não no ambiente aquático.
A equipe do estudo, que inclui Fabiano Vidoi Iori, do Museu de Paleontologia Pedro Candolo (Uchoa, interior paulista), Fresia Ricardi-Branco, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e Ismar Carvalho, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), explica que é possível dividir a diversidade morfológica do crânio dos bichos em dois grandes tipos de formato.
De um lado estão as espécies de crânio com forma de cúpula e laterais curtas, cuja morfologia "clássica" praticamente desapareceu após a Era dos Dinossauros.
De outro, temos a atual "cara de crocodilo" (e jacaré) típica dos bichos modernos, que é larga e achatada. Essa morfologia também estava presente na Era dos Dinossauros. A questão é saber quais processos evolutivos acabaram produzindo esses padrões diferentes.
Ao que parece, a versão achatada do crânio e do focinho é mais eficiente para o deslocamento na água, oferecendo menos resistência quando o bicho está nadando. Mas havia também a ideia de que ela poderia ajudar os jacarés e crocodilos a suportar melhor as forças geradas pela torção do focinho conforme o animal está se alimentando.
Foi para tentar resolver essa dúvida que os paleontólogos brasileiros e seus colegas do exterior submeteram os crânios dos animais às sessões de tomografia. As imagens detalhadas da estrutura óssea permitem que os cientistas reconstruam, com razoável grau de confiabilidade, a distribuição e o funcionamento dos músculos. Isso porque os ossos contam com áreas específicas de inserção muscular em sua própria estrutura, que dão pistas sobre como cada animal mordia e mastigava suas presas, por exemplo.
Do lado das espécies modernas, a equipe incluiu na análise o aligátor-americano (Alligator mississippiensis), o crocodilo-do-nilo (Crocodylus niloticus) e o jacaré-anão ou jacaré-paguá (Paleosuchus palpebrosus, única espécie brasileira do trio). Todos são carnívoros semiaquáticos.
Entre os animais da Era dos Dinossauros, a amostra foi formada por três espécies terrestres encontradas no interior de São Paulo. Entre elas estão o superpredador Baurusuchus salgadoensis, de até quatro metros de comprimento, e dois animais menores: o Montealtosuchus arrudacamposi, que provavelmente capturava presas pequenas, e o Caipirasuchus paulistanus, talvez herbívoro (algo que não se vê entre seus parentes modernos).
A análise mostrou que havia uma diferença significativa na técnica de ataque às presas: os bichos extintos provavelmente "mordiam e puxavam", enquanto os atuais dependem de táticas como o chamado giro da morte, no qual o réptil segura a vítima e roda o corpo dentro d?água para abatê-la. Mais importante, porém, é o fato de que os bichos terrestres extintos tinham maior eficiência muscular e crânios mais aptos a resistir ao esforço de morder (e, no caso da espécie herbívora, de mastigar). Na prática, são estruturas cranianas mais resistentes a uma fratura causada por esforço, por exemplo.
A pesquisa indica, portanto, que a evolução dos crocodilos e jacarés semiaquáticos exigiu uma espécie de troca com base na relação custo-benefício. Para desenvolver crânios que facilitassem o deslocamento na água, foi preciso perder a eficiência da musculatura e a segurança da mordida em termos relativos.
Ao que parece, valeu a pena, já que as espécies terrestres de crânios poderosos acabaram não sobrevivendo durante a extinção em massa que acabou com a maioria dos dinossauros (menos as aves) há 66 milhões de anos.