SANTOS, SP (FOLHAPRESS) - Edifícios altos bloqueiam a brisa do mar e fazem de Santos a cidade líder no litoral de São Paulo em ilhas de calor. O fenômeno se refere a áreas com temperatura mais elevada devido à alteração da paisagem natural por causa da urbanização.

Os dados são da UrbVerde, plataforma digital de monitoramento socioambiental alimentada por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) e parceiros. Ela aponta que o município tem o pior índice de ilhas de calor no litoral paulista: coeficiente de 83,3 numa escala que vai até 100.

No litoral, a segunda colocada é a vizinha São Vicente (coeficiente de 79,7). A lista paulista é liderada pela capital paulista, com coeficiente de 100. Para calcular esses números, a plataforma multiplica a chamada população vulnerável (idosos e crianças) pelo fator de intensidade térmica (diferença de temperatura entre um setor e outro do município).

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Santos também é a cidade mais verticalizada do país.

"Santos cresceu para cima. É um prédio cobrindo o outro. Falta vento e falta verde", diz a aposentada Heliete Botelho da Silveira, 75, moradora da cidade. "Mais verde amenizaria o problema", concorda o técnico de enfermagem Odair Benjamin, 54, que ressalva: "É paliativo. Solução definitiva não dá mais".

O aposentado Luiz Yamashiro, 80, divide-se entre Araraquara, na região central do estado, e Santos, com casas nas duas cidades. "Sinto mais calor em Santos. E a gente cansa mais rápido."

A prefeitura afirma fazer sua parte, e que exatamente para combater o problema decidiu juntar no ano passado as secretarias de Desenvolvimento Urbano e de Meio Ambiente. "Não podemos aceitar uma cidade desenvolvida sem respeito à natureza", avalia o titular da pasta, Glaucus Farinello, 44.

Outra iniciativa foi o lançamento, em março de 2025, do programa "Santos Sustentável" - que tem como uma das metas o plantio de 10 mil árvores até 2028. Assim, a cidade chegaria a 45 mil árvores na área insular (onde vivem mais de 95% da população).

O secretario diz que o município executa uma espécie de "acupuntura verde": troca de asfalto por natureza (canteiros, hortas e pomares) em trechos que a própria prefeitura mapeia.

Um exemplo é uma mata urbana, iniciada no segundo semestre, com a retirada de asfalto de um estacionamento para o plantio 194 mudas de árvores nativas da mata atlântica, como pitangueiras.

Também criou, em julho, o Parque dos Morros, que é o maior espaço do tipo na cidade, com 290 mil metros quadrados, voltado à preservação da biodiversidade, proteção da fauna e garantia de regeneração ambiental.

A chegada desses "pulmões verdes" como medida mitigatória também inclui plantios em calçadas e praças para ampliar a área permeável da região atendida e facilitar a infiltração no solo de água de chuva.

Ao todo, de acordo com o IBGE, 67,1% das moradias santistas são apartamentos. Em segundo lugar aparece Balneário Camboriú (SC) com 63,3% e, em terceiro, São Caetano do Sul (SP) com 52,5%. Entre um censo e outro (2010 e 2022), Santos teve um crescimento de 23,2% no número de apartamentos -eram 91.228 e passaram a ser 112.401.

Para quem caminha pela orla do bairro Ponta da Praia basta olhar para cima: três grandes prédios residenciais estão em construção nas proximidades da faixa de areia. Nos bairros de Aparecida, Embaré e Boqueirão, casas e estruturas baixas também dão lugar a edifícios novos.

Pensar o coletivo

"A verticalização é uma questão central", analisa o urbanista e pesquisador da UrbVerde Marcel Fantin, 46. "Interfere na movimentação dos ventos e cria bloqueios contra a circulação adequada, além de desestruturar toda a infraestrutura verde-urbana".

Ele observa que ilhas de calor não só aumentam o cansaço físico como reduzem a capacidade de regulação térmica corporal, o que abre caminho para doenças relacionadas ao aumento da carga de trabalho do coração.

Professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP em São Carlos, Fantin ressalta como eram as casas da costa paulista nas décadas de 1940 e 1950. "Murinhos baixos, quintal verde na frente, árvores frutíferas nos fundos, árvore na calçada. Tudo mudou".

A intensa atividade portuária, com cargas e caminhões em fluxo diário pelo Porto de Santos, o maior da América Latina, também contribui para o cenário.