SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O apagão que deixou mais de dois milhões de imóveis sem energia em São Paulo na semana passada poderia ter sido evitado, segundo pesquisadores e especialistas consultados pela reportagem.
Para isso, dizem eles, é preciso fazer uma discussão sobre o assunto com foco em dois fatores: custo e governança conjunta.
O problema não é novo para o paulistano, que enfrenta grandes apagões há dois anos ?todos em épocas semelhantes. Em 2023, o maior aconteceu em novembro; em 2024, em outubro, e o deste ano, em dezembro.
As causas imediatas são sempre naturais, como grandes tempestades e, no caso deste ano, um ciclone extratropical.
Se eventos climáticos extremos são cada vez mais previsíveis, os estragos por eles causados também deveriam ser. Mas apagões continuam a se repetir. O que fazer para evitá-los?
ENTERRAMENTO DE FIOS E ARCABOUÇO REGULATÓRIO
Retirar toda a fiação dos postes e levá-la a canais subterrâneos seria ótimo, diz Joisa Dutra, diretora do FGV-Ceri (Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV) e colunista da Folha, não fosse o custo de uma obra desse porte.
Em 2006, estudo da antiga Emurb (Empresa Municipal de Urbanização) concluiu que o enterramento de fios em toda a capital paulista custaria R$ 250 bilhões ?o equivalente hoje a R$ 757 bilhões. Para comparação, o orçamento todo da prefeitura para 2025 é de R$ 104 bilhões.
Daí a avaliação de que o enterramento pode ser gradual e combinado a outros fatores. Para Dutra, cabe ao poder público coordenar estratégias para implementar a iniciativa e evitar que o custo recaia integralmente sobre consumidor final.
"A rede elétrica não seria a única a ser enterrada. Isso inclui também fios de internet, de telefonia e mesmo de gás. Então poderiam pegar determinada região e traçar um plano para dez anos. O poder público banca uma parte e as concessionárias, outra. Todo mundo se beneficia", afirma.
O problema, segundo ela, é que isso esbarra no próprio arcabouço regulatório do setor energético. "A gente precisa encontrar condições de planejar a resiliência na própria regulação do setor. Isso não existe hoje, e aquilo que temos não nos prepara a essas adversidades."
O Distrito Federal tem a maior porção de rede subterrânea entre as áreas de distribuição de energia elétrica das cinco capitais mais populosas do país: 18,7% dos fios estão embaixo da terra.
Em seguida estão as regiões que abrigam Rio de Janeiro (12,7%), São Paulo (7,1%), Salvador (0,2%) e Fortaleza (0,1%) ?as duas últimas têm percentual baixo porque a área de concessão engloba, respectivamente, quase ou todo o estado.
À Folha a Prefeitura de São Paulo afirmou que o município tem 46 km de redes já enterradas pelas concessionárias e que há planos para ampliar a fiação subterrânea.
"A administração tem incluído o serviço de enterramento de fios em diversas obras viárias, como na requalificação da avenida Santo Amaro, onde a fiação aérea foi substituída por rede subterrânea. O mesmo ocorreu nas obras do Complexo Viário João Beiçola, na zona sul", afirmou.
Ainda segundo a gestão Nunes, outros nove projetos de requalificação de avenidas em andamento preveem o enterramento de fios. "A administração municipal reitera que a Enel tem prestado um péssimo serviço à população na cidade de São Paulo e, por essa razão, já ingressou com três ações judiciais contra a concessionária de energia."
A prefeitura afirmou ainda que "tem ampliado o uso de energias renováveis em equipamentos que atendem diretamente à população, como Centros Educacionais Unificados (CEUs) e hospitais, para reduzir a dependência da rede tradicional de energia".
Procurada para comentar o tema, a Enel não respondeu.
MANEJO DE VEGETAÇÃO
Se a solução deve ser conjunta, ela passa também por questões urbanísticas ?o que inclui o manejo adequado da vegetação. Em São Paulo esta ainda é uma questão crítica, afirma Dutra.
A administração municipal tenta contornar o problema: neste ano, por exemplo, contratou carros equipados com câmeras 360 graus para escanear e armazenar informações sobre as árvores presentes em calçadas e canteiros da cidade de São Paulo. São 652.146 espécies a serem registradas em três anos.
Depois de mapeadas, as árvores serão analisadas por técnicos da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e constarão de banco de dados com informações sobre cada espécie.
A aposta da prefeitura é de que eventual sinal de comprometimento seja antecipado pelo sistema, garanta manutenção mais célere e evite que depois, durante tempestades, essas árvores caiam e comprometam a rede elétrica.
Um convênio firmado em 2020 entre a prefeitura e a concessionária delimitou ao município podas fora da zona de risco elétrico. Já à Enel cabe elaborar o plano anual de manejo de árvores em áreas controladas e de risco das instalações de energia.
Nesse sentido, quando árvores em contato com a rede elétrica precisam ser podadas, a concessionária é notificada por ofício e tem prazo de até 90 dias para executar o serviço.
O assunto, porém, virou um jogo de empurra.
De um lado, advogados da Enel afirmaram que o governo municipal não cumpriu obrigações sobre a poda de árvores; de outro, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que a cidade tinha 48 árvores caídas "há mais de 70 horas" sem que a Enel desligasse a rede para que técnicos fizessem a remoção da espécie.
TECNOLOGIA E USO DE IA
Enquanto soluções estruturais demandam tempo e investimento, outras alternativas podem contribuir para reduzir os danos a curto e médio prazo, diz o engenheiro eletricista Juliano Gonçalves.
A começar por um projeto de redes compactas, iniciativa que diminui a distância entre os fios e os separa a partir de um dispositivo externo, evitando que os cabos toquem uns nos outros durante eventos climáticos mais intensos.
Há também sensores que aprimoram a qualidade da fiação aérea. Eles são capazes de desligar automaticamente a rede elétrica e reativá-la pouco depois, evitando danos maiores. "Isso precisa ser implementado pelas concessionárias", diz.
Outros fatores poderiam ser incentivados pelo arcabouço regulatório, afirma Gonçalves, "como a digitalização das redes ou a utilização de sistemas para a criação de gêmeos digitais".
Em outras palavras, são tecnologias que simulam com inteligência artificial as condições da rede elétrica e os impactos de eventuais eventos climáticos para garantir previsibilidade ao operador.
"Se essa tempestade cair aqui, o que pode acontecer? Por onde eu posso realimentar o sistema? É o que um software do gênero permite. Tudo pode ser simulado com antecedência, ajudando a prevenir grandes impactos como os que temos observado."
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