SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em menos de 48 horas após ter recebido uma dose de polilaminina na região da coluna, injetata depois de uma ordem judicial, o paciente Luiz Fernanda Mozer, 37, de Iconha (ES), demonstra estar retomando a sensibilidade em partes dos membros inferiores, segundo a equipe médica que o acompanha na Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro do Itapemirim, em uma ala do SUS (Sistema Único de Saúde).
A polilaminina é uma substância que tem origem na placenta humana e se mostrou capaz, em testes iniciais, de restabelecer a medula espinhal em pessoas que tiveram lesões medulares e recuperar os movimentos do corpo em casos de paraplegia ou tetraplegia.
O paciente havia sofrido um acidente durante um evento de motocross, no dia 7 de dezembro, considerado pela equipe médica como extremamente grave e incompatível com a vida.
De acordo com o médico Olavo Borges, que faz parte da equipe da pesquisadora Tatiana Coelho de Sampaio, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), quem desenvolveu o método da polilaminina, o choque vivenciado pelo homem rompeu totalmente sua medula e também a coluna vertebral.
"O paciente está com sensibilidade. Ele consegue perceber o toque, identificar onde está sendo tocado. É uma demonstração que alguma recuperação está em curso", afirma Tatiana.
"Estou impressionada e, claro, otimista. Mas, ainda precisamos esperar. É um sinal de recuperação, mas precisamos conter a emoção, precisamos de uma demostração ainda mais clara da ação da polilaminina. A regeneração das fibras motoras, que são mais grossas, pode demorar mais. As fibras de sensações são mais finas", diz a pesquisadora.
Em testes de sensibilidade realizados no paciente, que estava de olhos vendados, ele conseguiu detectar, segundo os médicos, qual a perna que estava sendo tocada, mas ainda não era capaz de dizer exatamente em que altura.
Pessoas com quadro de paraplegia recente, com lesão medular completa, como é o caso do paciente capixaba, têm perda total da sensibilidade da cintura para baixo. Muitos não retomam a percepção de toque, por exemplo, mesmo depois de décadas, outros conseguem alguns recuperar algum nível de sensibilidade.
Durante o período de experimentações em estudos, a sustância se mostrou capaz, segundo os pesquisadores, de promover regeneração na medula tanto em animais, como em pessoas.
O produto está em fase de pesquisas científicas, tendo de passar ainda por três etapas antes de ser registrado. Uma das mais importantes, a do teste clínico amplo aplicado em humanos, ainda não tem autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Durante os testes em laboratório, a polilaminina se mostrou eficaz, de acordo com os pesquisadores, no restabelecimento de quadros de lesão medular em cães e também em seres humanos. Seis pessoas tiveram resultados positivos, com ganhos de movimento e de sensibilidade.
Por meio de nota, a Anvisa informou que "embora os resultados da pesquisa inicial sejam promissores, ainda não é possível fazer afirmações quanto a segurança e eficácia da substância. Este é um processo normal quando se trata da avaliação de candidatos a medicamentos, visto que a ciência é dinâmica e incerta".
Em entrevista à Folha de S.Paulo, o presidente da Anvisa, Leandro Safatle, afirmou que a agência definiu uma lista de produtos que deseja tirar do papel ou ampliar o uso, incluindo a polilaminina.
O médico Olavo Borges explicou que o caso de Fernando é de extrema complexidade e o mais grave com que a equipe já teve contato. Havia uma condição anatomicamente desfavorável à renegeração.
É PRECISO SEGUIR O RITO CIENTÍCO ANTES DAS APLICAÇÕES, AFIRMA FISIATRA DA USP
O médico fisiatra Daniel Rubio, do Instituto de Medicina Física e Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade Medicina da USP (Universidade de São Paulo), contesta que seja possível falar em sucesso do procedimento neste momento e afirma que é preciso seguir o rito científico antes das aplicações.
"Para a gente poder dizer que tem sucesso, existe um rito determinado na medicina, na ciência, que é de ver primeiro a toxicidade, ver se causa mais mal do que bem, ver quais são os riscos. A polilaminina está nessa fase", diz.
Outras três ordens judiciais, duas do Rio de Janeiro e outra da Bahia, mandam o laboratório Cristália, mantenedor da pesquisa científica, aplicar a polilaminina em outros três pacientes com lesões medulares agudas recentes.
De acordo com Rubio, o Estado não pode gastar ou investir dinheiro em tratamentos cuja segurança ainda não foi demonstrada nem antes que a eficácia esteja totalmente comprovada.
"Torço muito para que essa pesquisa evolua. Acho que tem um potencial dos estudos feitos em animais em relação ao potencial de ação, mas o pessoal está colocando o carro na frente dos bois."
A polilaminina está sendo fabricada, ainda de forma experimental, pelo laboratório Cristália, que já informou ter total interesse em disponibilizar a substância, quando liberada, para o SUS.
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