SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O fim do contrato da Enel em São Paulo não depende apenas do histórico de falhas da concessionária, mas também de provas de sua incapacidade operacional e financeira, segundo a avaliação de especialistas ouvidos pela Folha.
A chamada caducidade ?cujo início foi anunciado nesta terça-feira (16) pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira?é a sanção mais severa prevista em lei para contratos de concessão. Ela permite que o poder extinga o contrato antes do prazo final quando obrigações são descumpridas.
Instrumento jurídico do tipo exige processo administrativo formal, com produção de provas, contraditório e ampla defesa. Ou seja, demora para ser concretizado.
"O ponto central é a discussão sobre a prestação inadequada de um serviço público essencial", diz Vitor Barretta, advogado especialista em licitações, contratos administrativos e regulação de serviços públicos. De acordo com ele, os apagões e a resposta lenta da concessionária podem até sustentar a tese de descumprimento contratual e regulatório. Porém, talvez haja necessidade de denúncia mais robusta.
A Lei de Concessões elenca hipóteses objetivas para a decretação da caducidade, entre elas a prestação deficiente do serviço, o descumprimento de cláusulas contratuais e normas regulatórias, a paralisação do serviço, a perda das condições técnicas ou econômicas para operar e o não atendimento a intimações do poder concedente.
Embora o anúncio político tenha partido do Ministério de Minas e Energia, o processo passa necessariamente pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). A agência é responsável por instruir tecnicamente o caso, consolidar o histórico regulatório e garantir o direito de defesa da empresa.
Especialistas ressaltam que a caducidade não é automática nem imediata. A legislação prevê alternativas intermediárias, como a intervenção administrativa, na qual a agência assume temporariamente a gestão da concessionária para assegurar a continuidade do serviço e corrigir falhas.
Também há um amplo leque de medidas menos gravosas. São multas, planos compulsórios de investimento, metas mais rígidas de qualidade e reforço da fiscalização.
Para Christianne Stroppa, professora de direito administrativo da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), a fundamentação da caducidade tende a ser cumulativa, envolvendo "prestação inadequada e descontinuidade reiterada do serviço, descumprimento de obrigações contratuais e regulatórias, ineficácia de medidas menos gravosas, falhas de governança e gestão de riscos, bem como risco à continuidade do serviço público essencial".
Na avaliação dela e dos demais especialistas, todos esses pontos precisam ser comprovados e justificativas genéricas não são suficientes para sustentar a sanção terminal do contrato.
O contrato em vigor é federal e não se limita ao estado de São Paulo. A concessão foi originalmente firmada com a Eletropaulo em 2001, transferida posteriormente à atual operadora e prorrogada até junho de 2028. Estados e municípios, embora não tenham poder para rescindir o contrato, podem produzir provas técnicas, fiscalizar aspectos urbanos que impactam o serviço e provocar formalmente a Aneel e o ministério.
A concessionária, por sua vez, tem direito de defesa e pode alegar eventos excepcionais, força maior, cumprimento de planos de investimento ou falhas de coordenação com o poder público local, como na política de arborização urbana. Esses argumentos serão analisados tecnicamente pela agência reguladora e, em caso de decisão desfavorável, ainda podem ser levados ao Judiciário.
Mesmo em um cenário sem judicialização, o processo de caducidade tende a ser longo. Estimativas apontam prazos que variam de meses a mais de um ano, a depender do grau de maturidade das provas. Com ações judiciais, o desfecho pode se arrastar por anos.
Enquanto isso, a tendência, segundo especialistas, é a combinação de medidas: intensificação da fiscalização, imposição de obrigações imediatas e, em paralelo, a instrução do processo administrativo que pode culminar na intervenção ou na extinção do contrato.