BELÉM, PA (FOLHAPRESS) - A Justiça Federal no Pará determinou uma revisão da vazão de água adotada para o funcionamento da usina hidrelétrica de Belo Monte, na região da Volta Grande do Xingu, de forma que o rio volte a ter inundação suficiente para a garantia dos ecossistemas, do modo de vida de ribeirinhos e indígenas e da navegação de embarcações.
A decisão, proferida na última sexta-feira (12), atendeu aos pedidos do MPF (Ministério Público Federal), expressos em uma ação civil pública movida em 2021.
A juíza federal Maíra Campos, da Vara Federal em Altamira (PA), condenou a Norte Energia e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) a revisarem o chamado hidrograma de consenso, "com a definição de um controle artificial de vazões apto a garantir a mitigação dos impactos advindos do desvio do fluxo hídrico do rio Xingu".
A Norte Energia é uma companhia que reúne diversas empresas e que é responsável pela operação de Belo Monte. O Ibama é o responsável por todo o processo de licenciamento, da construção à operação da usina hidrelétrica.
Em nota, a Norte Energia afirmou que recorrerá contra a condenação e que segue defendendo o hidrograma de consenso.
"O hidrograma estabelece a vazão de água mínima para a Volta Grande do Xingu e foi estabelecido pelo Estado brasileiro no processo de licenciamento", disse. "Belo Monte tem capacidade energética equivalente ao consumo de mais de 18 milhões de residências e contribui com a segurança do sistema interligado nacional."
O Ibama afirmou ter sido notificado sobre a decisão e que a encaminha para cumprimento.
O hidrograma adotado ?a vazão de água liberada a partir do represamento para o funcionamento da usina? é insuficiente para a pesca como subsistência e também para a garantia do modo de vida tradicional das comunidades que estão na Volta Grande do Xingu.
Pescadores não se adaptaram a outras atividades, como a plantação de cacau ou a criação de peixe em tanques. Assim, as famílias empobreceram e vivem em insegurança alimentar, como mostrou reportagem publicada pela Folha de S.Paulo em outubro de 2022.
Foi preciso definir uma série de reparações em dinheiro a pescadores que se viram sem peixes no Xingu, cuja seca foi intensificada pelo funcionamento da hidrelétrica.
As obras de Belo Monte tiveram início em 2011, no governo Dilma Rousseff (PT). Em 2019, no governo Jair Bolsonaro (PL), todas as 24 unidades geradoras passaram a funcionar.
As comunidades indígenas afetadas pela redução da vazão de água no rio Xingu devem ter "efetiva participação" na revisão do hidrograma, conforme a decisão judicial.
Norte Energia e Ibama deverão organizar um grupo de trabalho, com diferentes representantes (como ribeirinhos e indígenas), para a definição de um novo hidrograma. A primeira reunião deve ser feita em 15 dias, contados a partir do trânsito em julgado da sentença ?ou seja, quando não houver mais possibilidades de recursos contra a condenação.
A nova vazão de água na Volta Grande do Xingu deve permitir a inundação das principais áreas de piracema (reprodução de peixes), respeitar os ciclos de seca e cheia do rio e garantir a qualidade da água.
O novo hidrograma deve ser apresentado pela Norte Energia ao Ibama em 30 dias a partir da primeira reunião. Se isso não ocorrer, será adotado o chamado hidrograma de piracema, desenvolvido por comunidades locais e por pesquisadores e endossado pelo MPF. Esse hidrograma garantiria a reprodução dos peixes e o modo de vida tradicional de ribeirinhos e indígenas.
"O objeto da demanda [a ação do MPF] sempre foi o restabelecimento de uma dinâmica hídrica compatível com a preservação dos ecossistemas e dos modos de vida tradicionais na Volta Grande do Xingu, mediante o estabelecimento de parâmetros ambientais tecnicamente adequados, a serem considerados pelo órgão ambiental no exercício de seu poder de polícia", cita a decisão judicial.
Segundo a juíza, não há dúvidas de que os impactos observados foram mais severos do que os previstos nos estudos de impacto ambiental de Belo Monte.
"Os estudos complementares apresentados pela Norte Energia não são suficientes para justificar a manutenção do hidrograma B. O conjunto probatório evidencia a ocorrência de danos socioambientais concretos e não efetivamente mitigados", diz a magistrada.
O hidrograma B permite uma liberação mensal máxima de 8.000 metros cúbicos por segundo para a Volta Grande do Xingu. Já o A, 4.000 metros cúbicos por segundo, no mês de maior cheia, como consta na decisão.