SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Cresce entre os especialistas do setor de energia a percepção de que é mais fácil vender do que decretar a caducidade da concessão da Enel na distribuição de energia na região metropolitana de São Paulo. Isso porque o rompimento é um caminho que todo mundo sabe como começa, mas ninguém tem ideia de como será o andamento, nem como termina, já que nunca foi feito. Já uma venda articulada com colaboração da própria empresa tenderia a garantir ganhos a todos.
A intenção de levar à frente a caducidade foi anunciada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, nesta terça-feira (16), após reunião com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB).
Silveira afirmou que estava encaminhando a questão para Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), o órgão responsável por levar adiante esse tipo de procedimento.
A venda, no entanto, é o caminho mais discutido do setor privado. Uma referência é a saída da mesma Enel da distribuidora de Goiás, que aconteceu após reclamações de consumidores e pressão política. Naquele caso, a empresa não conseguiu cumprir indicadores de eficiência e, em 2022, deu-se início ao processo de caducidade. Em 2023, no entanto, optou-se pela saída negociada, com a transferência da concessão para a Equatorial.
Os defensores da venda lembram que dois pontos teriam de ser especialmente bem negociados. Primeiro, a questão do preço. Em 2018, a Enel pagou R$ 5,55 bilhões pela concessão, R$ 45,22 por ação da companhia, que na época tinha capital aberto. Isso representou o dobro do valor estimado na época. A estimativa é que o patrimônio hoje vale cerca de R$ 16 bilhões. No meio de crise de reputação, a negociação do valor tende a ser dura.
Outro tema sensível é o prazo da concessão. Vence em 2028. Há quem considere difícil alguma empresa se interessar pelo negócio se não tiver garantia de que vai continuar após esse prazo. Um acordo teria de incluir a necessidade de antecipar a prorrogação. A Enel, como outras distribuidoras cuja concessão está por expirar, já pediu essa antecipação à Aneel, que não se manifestou.
O tema da venda foi tratado, inclusive, em relatório do banco UBS, intitulado "Winds of change: when climate tail-risk starts to matter " (Ventos de Mudança: quando o risco de cauda climática começa a importar).
Divulgado a clientes nesta terça, o texto traz diferentes cenários para os problemas da Enel SP e de seu embate com o governo. Entre eles, avalia que "um acordo informal parece ser uma escolha racional" para iniciar os preparativos de um eventual leilão da concessão.
O relatório destaca que a concessão de São Paulo vive uma pressão inédita que cria um paradigma: altera o mecanismo de avaliação de desempenho das empresas do setor. Pode, inclusive, impactar o preço das concessões de distribuição. Mais risco tende a tornar os ativos mais caros.
Historicamente, a avaliação de desempenho de uma empresa de distribuição considera indicadores bem definidos, que medem, por exemplo, tempo e frequência da falta de luz.
O texto do UBS destaca que, agora, após eventos climáticos extremos, se impõe a percepção subjetiva de qualidade ?algo que nunca ocorreu na magnitude que se vê em São Paulo. Temporais similares que prejudicaram o fornecimento de energia no Rio Grande do Sul, por exemplo, com longos períodos no escuro, não tiveram a mesma reação, nem dos consumidores, nem do poder público.
Em linha com outros especialistas ouvidos pela reportagem, que preferiram não ter o nome citado, o relatório do banco ainda cita empresas que potencialmente poderiam se interessar pela concessão. Os destaques são Neoenergia, CPFL e Energisa, que disputaram a concessão em 2018. Outra empresa que poderia se beneficiar seria a Equatorial.
Nos últimos dois dias, porém, ganharam força comentários no setor de que a Âmbar, braço de energia do grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista, teria manifestado interesse pela concessão. Procurada, a assessoria de imprensa da companhia disse que não comentaria.
Há 25 anos no setor, 18 anos deles trabalhando diretamente com regulação de distribuição, a diretora da consultoria PSR, Angela Gomes, confirma a tendência de transformação da área de energia a partir dos eventos extremos.
"Não há dúvida de que a mudança climática está afetando o setor, e que os ventos em São Paulo trazem novos desafios", diz ela.
No entanto, ela destaca que as regras atuais ainda valem. Até pelo fato de a Enel cumprir os indicadores objetivos de qualidade e financeiros, a caducidade é uma alternativa complicada.
"Para dizer que a Enel não está prestando o serviço de forma adequada, é fundamental instruir o processo, fiscalizar, trazer evidências e dar direito a ampla defesa ?ou seja, o processo requer, intrinsecamente, robustez, caso contrário, traz enorme insegurança ao setor como um todo."
Analistas de mercado reforçaram essa percepção. Afirmam que estão olhando no detalhe cada passo envolvendo o caso porque entendem que a discussão da caducidade só avança se forem adotados critérios subjetivos. Algo que consideram perigoso. Nesse contexto, haveria, com certeza, aumento na percepção de risco no setor, já que essa subjetividade abriria precedente, podendo ser aplicada aleatoriamente na avaliação de outras empresas, dizem eles.
Ex-diretor da Aneel, Edvaldo Santana, lembra que o ponto de partida da caducidade é um TI (Termo de Intimação). Devido às ocorrências anteriores, esse documento já existe na agência. Mesmo assim, o processo é longo e desgastante.
"O TI é a fase anterior a uma eventual caducidade. Como é um problema de qualidade do serviço, a empresa se defende, por exemplo, dizendo que tem bons indicadores, mesmo com os apagões. A reincidência, com a demora de reestabelecimento nos sucessivos apagões, parece ser o melhor argumento da Aneel", diz Santana.
"Mas entre defesas dentro da discussão administrativa na Aneel, ou uma eventual discussão no Judiciário, não se gastará menos que 12 meses."
Supondo que a caducidade finalmente ocorresse, Santana lembra que a Aneel teria de fazer uma intervenção na concessão para preparar a licitação. No grupo Rede, onde ocorreu uma intervenção bem mais simples, o procedimento demorou 12 meses. Santana ainda lembra que, em 2007, a agência recomendou a caducidade da distribuidora do Amapá, para uma posterior licitação. O governo, porém, resolveu federalizar a empresa.