SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ar de abandono dos últimos anos dá lugar a um ritmo apressado de trabalhadores. Após quase 13 anos do inicio das obras, sendo seis de total paralisação, a primeira parte do trecho norte do Rodoanel de São Paulo finalmente será entregue aos motoristas. A inauguração está prevista para a próxima segunda-feira (22).
Com 26 km de extensão, a estrada ligará as rodovias federais Fernão Dias e Presidente Dutra e fará interligação com o trecho leste (rodovia Ayrton Senna).
Com custo total aproximado de quase R$ 3,4 bilhões, sendo R$ 1,35 bilhão aportado com recursos públicos e R$ 2 bilhões pela concessionária Via Ápia, o trecho norte ainda tem uma segunda parte em obras, até a região da rodovia dos Bandeirantes, com previsão de entrega no segundo semestre de 2026.
Somente aí o anel viário, iniciado no fim da década de 1990 para desafogar as marginais Tietê e Pinheiros, na cidade de São Paulo, estará completo. Ao todo, o Rodoanel terá cerca de 176 quilômetros de extensão.
A reportagem percorreu de carro, na manhã de terça-feira (16), os 26 km da estrada que será inaugurada agora. Os trabalhos estavam nos retoques finais, mas eram muitos. Ao mesmo tempo que operários erguiam defensas metálicas do chão para serem instaladas, outros limpavam o asfalto sujo de terra.
Ainda faltava sinalização, inclusive de solo, para fazer, mas a promessa é que as cerca de 6.000 pessoas que trabalham atualmente na obra ?no auge foram 10 mil? deixarão tudo pronto para a cerimônia de entrega.
Até abril do ano passado, quando a construção foi retomada, o esqueleto abandonado estava ocupado por entulhos, animais e vegetação daninha. As pistas eram usadas para rachas de motos.
"Era um cenário desafiador", afirma André Isper, presidente da Artesp (Agência de Transportes do Estado de São Paulo). "Mas a gente precisa entender que demorou bastante [para finalização] e o governo deve à população essa obra."
Ao todo, o trecho norte do rodoanel conta com 70 obras de arte especiais, como pontes e viadutos. Muitas precisaram ser recuperadas pela deterioração que já começava a aparecer.
O pavimento teve de ser inteiramente refeito e algumas partes do escopo original necessitaram ser modernizadas porque ficaram fora de normas viárias atuais, como adequação de barreiras de proteção e sistemas de túneis.
Conforme Brendon Ramos, CEO da Via Appia, reformar e aproveitar estruturas existentes costuma ser mais complexo do que construir do zero. "Tivemos de avaliar e reaproveitar obras que estavam abandonadas, muitas vezes sem adequado de controle de qualidade, o que demandou um grande esforço técnico de engenharia", diz.
À Folha de S.Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) diz que a conclusão total do trecho norte vai fazer diferença não só para a logística do estado, mas principalmente, para quem mora e trabalha na região. "Depois de mais de 20 anos de espera, estamos cada vez mais próximos de concluir o Rodoanel, o que muitos não acreditavam mais ser possível", afirma.
A parte que será inaugurada conta com quatro túneis (duas estruturas de ida e volta), sendo que o maior deles tem 940 metros de extensão ?quando a reportagem esteve na rodovia, um deles (sentido oeste) estava fechado ao trânsito. Nos outros havia equipes de limpeza e de instalação elétrica.
Haverá cobrança de pedágio no sistema free flow, de passagem livre, em Guarulhos. O valor da tarifa deve ser divulgado nos próximos dias. Segundo a concessionária, a instalação de quatro pórticos previstos para toda a operação custou R$ 24 milhões.
A expectativa é que cerca de 54 mil veículos passem pelos 26 km, sendo que 60% deles devem ser pesados, como caminhões.
Para Marcelo Rodrigues, presidente do SETCESP (Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região), a liberação do trecho representa uma alternativa para o transportador rodoviário de carga, especialmente aos que precisam acessar o porto de Santos ou atravessar a cidade de São Paulo em horários de restrição e pico.
Ele aponta que tanto a Fernão Dias quanto a Dutra desembocam na região leste da marginal Tietê, o que historicamente gera gargalos, aumento do tempo de viagem e custos operacionais, e maior exposição a riscos urbanos. "É uma demanda que permaneceu por anos sem solução efetiva."
O trecho é rotulado como rodovia de classe 0, ou seja, não haverá entrada ou saída nos 26 km. O motorista que acessar o Rodoanel pela Dutra só poderá sair na Fernão Dias (enquanto o restante da estrada não estiver pronta).
Na Dutra, a saída fica próximo ao pedágio de Arujá, na Grande São Paulo.
Quem entrar pela Fernão Dias poderá sair na Dutra ou seguir pelo trecho leste do Rodoanel.
As vias têm três ou quatro pistas, mais largas que o convencional, exatamente pela falta de intervenções viárias. A velocidade máxima para veículos leves será de 100 km/h ?no caso dos pesados, o limite ficará em 80 km/h.
No sentido capital paulista há um acesso interrompido de terra. No futuro ali deve ser construída uma saída para o aeroporto internacional de Guarulhos, mas não há prazo para isso.
HISTÓRICO DE ATRASOS
A construção do trecho norte do Rodoanel foi iniciada em 2013 e ficou paralisada desde 2018. A obra foi orçada inicialmente em R$ 4,3 bilhões, mas, até 2019, já tinha consumido cerca de R$ 6,85 bilhões, tendo se tornado alvo de investigação por suspeitas de superfaturamento e corrupção.
As empreiteiras que integravam os consórcios, como Coesa (ex-OAS) e Mendes Júnior, foram fortemente atingidas financeiramente pela operação Lava Jato, entraram em recuperação judicial e acabaram declaradas como inidôneas pela União.
Em março de 2023, o consórcio Via Appia venceu a concessão para a conclusão das obras do trecho. O contrato foi assinado em agosto e a retomada do projeto ocorreu em abril do ano passado.
A concessionária vai operar o trecho norte pelas próximas três décadas.