SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A parcela dos 10% mais ricos da população brasileira é responsável por 72% das emissões de gases do efeito estufa ligadas à aviação no país. A poluição é tão concentrada na elite a ponto de os 50% mais pobres somarem menos de 10% do total emitido pelo transporte aéreo. É o que aponta um novo estudo do Made (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades), vinculado à USP, publicado nesta quinta-feira (18).
O trabalho se baseou em dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018, produzida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e em coeficientes das emissões para calcular a pegada de carbono do setor.
Os resultados mostram que os 10% mais ricos do Brasil emitiram 167,8 mil toneladas de CO2e (dióxido de carbono equivalente) com aviação, 72% das 232,7 mil toneladas de CO2e lançadas na atmosfera em 2017 e 2018 pela atividade.
O economista Pedro Marques, codiretor do Made e um dos autores da pesquisa, defende a tributação sobre a aviação de luxo como uma forma de desincentivar o consumo e arrecadar recursos para políticas climáticas. Ele afirma que a medida deve atacar jatinhos, passagens de primeira classe e de cabine executiva, para evitar que a taxação afete a população mais pobre.
"Nosso objetivo é reduzir emissões no geral, mas não queremos impedir que as pessoas que estão na base tenham acesso a certos tipos de consumo", afirma. "Existe espaço para que o topo emita menos para que a gente possa ampliar em termos relativos, não absolutos, o que a base é capaz de emitir."
As passagens aéreas mais caras são associadas a maiores emissões por exigirem espaços amplos nas aeronaves, que poderiam ser ocupados com poltronas da classe econômica. O pesquisador diz que a tributação também ajudaria a compensar os danos causados pelos voos de luxo, seguindo a justiça climática e o princípio do poluidor-pagador: "Quem polui mais, paga mais".
"O que se traz na discussão é que talvez esses transportes tenham de ficar mais caros para serem mais impeditivos e menos consumidos, a ponto, inclusive, de deixarem de existir em um horizonte, mais longo", afirma, sobre a aviação de luxo.
A presidência da COP30, a conferência climática das Nações Unidas que aconteceu em Belém, propôs a taxação de jatinhos como uma das formas de alcançar US$ 1,3 trilhão (R$ 7 trilhões) ao ano para o financiamento climático. O imposto sobre a aviação e o transporte marítimo renderia de US$ 4 bilhões a US$ 223 bilhões, de acordo com o documento feito em parceria com a liderança da cúpula anterior, a COP29.
A pesquisa do Made concluiu que menos de 1% da população que faz parte dos 50% mais pobres do Brasil declarou ter consumido transporte aéreo em 2017 e 2018 ?em números absolutos, isso corresponde a 464 mil pessoas nesse estrato de renda.
O percentual dispara na elite: entre o 1% mais rico, 1 em cada 5 (22,9%) disse ter usado aviões, cerca de 465 mil brasileiros. Isso significa que mais pessoas consomem transporte aéreo nessa faixa de renda do que no grupo dos 50% mais pobres, conforme o estudo.
Nos 10% mais ricos, cerca de 2,3 milhões de pessoas afirmaram ter viajado de avião em 2017 e 2018. Por outro lado, nos 90% mais pobres, 1,7 milhão declarou ter voado. "Fica claro como a aviação pode ser associada a um consumo de luxo no Brasil", resume o artigo.
A desigualdade se estende às despesas com a atividade. Segundo os cálculos, o gasto mensal dos 5% mais ricos com transporte aéreo é 39,7% maior que o valor desembolsado pelo restante da população.
Um relatório global do economista Thomas Piketty apontou que o 1% mais rico do mundo é responsável por mais de 40% de todas as emissões de gases-estufa, enquanto os 50% mais pobres pouco contribuem para o problema.
Marques afirma que discussão deve ser pautada pela diferença entre emissões associadas a uma vida decente e aquelas ligadas a hábitos de luxo. Ele relembra polêmicas envolvendo famosos, como a família Kardashian e a cantora Taylor Swift ?segundo um levantamento, a artista é a que mais emite carbono em viagens.
"Essas pessoas têm o direito de usar seus jatinhos com a intensidade que usam? O debate traz uma questão realmente moral sobre o direito de emitir."
O pesquisador prevê que os resultados do estudo devem mudar pouco com a atualização dos dados do IBGE, que está prevista para abarcar os anos de 2024 e 2025. Marques diz que a economia brasileira estava desacelerada em 2017 e 2018, e agora, está acelerada.
"O ciclo econômico impacta o consumo de passagens de avião mais na base do que no topo", afirma. "A gente está falando de um consumo que está concentrado nos 10% mais ricos, então, sabendo da estabilidade da renda do topo no Brasil, relatada por vários estudos, é bem possível que esse cenário esteja mais ou menos o mesmo."
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