SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - A Justiça de São Paulo arquivou inquérito aberto contra o entregador Evandro Alves da Silva, 44, um dos sobreviventes da Operação Escudo, da Polícia Militar de São Paulo, em Santos.

Em despacho da quarta-feira (17), a juíza Andrea Aparecida Nogueira Amaral Ronan, da Vara do Júri e Execuções Penais de Santos, seguiu parecer do MP-SP (Ministério Público de São Paulo) e arquivou a investigação por falta de "elementos para embasar uma ação penal".

O entregador respondia a inquérito por resistência e porte ilegal de arma de fogo por ter tentado fugir durante uma abordagem policial dentro de sua casa, em 30 de agosto de 2023, durante a Operação Escudo.

O procedimento se baseava no relato dos PMs Daniel Pereira Noda, Carlos Vinicius Batista Bruno e Thiago Freitas da Silva. Segundo eles, o entregador estava armado e tentou fugir dos policiais durante uma abordagem dentro de sua casa, em Santos.

De acordo com os PMs, eles entraram no imóvel porque viram "a correria de alguns indivíduos" e "ouviram barulhos de portas batendo e, já no primeiro cômodo, visualizaram pela janela um suspeito com uma pistola na mão".

O "suspeito" era Evandro da Silva, só que a história é falsa.

Outra investigação, conduzida pelo MP-SP, concluiu, a partir da análise das imagens das câmeras corporais dos PMs, que a arma foi plantada no cômodo em que o entregador estava, depois que os policiais dispararam contra ele.

As imagens foram obtidas pela Comissão de Direitos Humanos da OAB de São Paulo e entregues ao MP, órgão que faz o controle da atividade policial.

Os três policiais nesta quarta-feira (17) são réus por tentativa de homicídio qualificado por duas circunstâncias: o crime foi praticado no exercício das funções militares; e foi cometido por meio da alteração na cena dos fatos, com a arma plantada no cômodo em que Evandro estava.

O UOL não conseguiu contato com a defesa dos três policiais. O espaço está aberto.

INVESTIGAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO

Evandro estava numa espécie de escritório de apoio a motoboys e mototaxistas que trabalham na região, segundo a denúncia contra os policiais. Ele foi abordado quando saía do banheiro, "totalmente nu e desarmado".

"Ainda assim", diz o MP-SP na denúncia contra os PMs, "os dois [Daniel Noda e Carlos Bruno], previamente ajustados com o sargento [Thiago] Freitas, que era o encarregado (superior da equipe), decidiram matar Evandro".

Segundo a denúncia, os PMs, por saber que estavam com as câmeras corporais, gritaram palavras como "polícia, larga a arma", mas se posicionaram de forma a impedir que fossem registradas imagens do interior do imóvel.

O entregador tomou um tiro na mão e conseguiu pular da janela do cômodo onde estava. Caiu de uma altura de sete metros. Aí os policiais desceram até onde Evandro estava caído, de bruços e imóvel, e deram mais um tiro, nas costas dele.

"Não é possível identificar qual dos denunciados efetuou o disparo, que ardilosamente não foi captado pelas gravações, mas é certo que todos eles concorreram para esse prosseguimento da execução do crime, pois estavam unidos na intenção criminosa", afirma o MP-SP, na denúncia.

Os investigadores descobriram que a cena do crime foi forjada porque os policiais filmaram, "sem querer", o colchão do cômodo onde Evandro estava antes de plantar a arma. As imagens mostram o colchão às 10h58 sem arma e às 11h com arma. Evandro pulou da janela às 10h58, conforme os prints das câmeras dos PMs, anexados à denúncia.

OPERAÇÃO ESCUDO

A chamada Operação Escudo foi deflagrada pelo Baep (Batalhão de Operações Especiais) da Polícia Militar de São Paulo. Segundo o Ministério Público, a operação foi desencadeada em resposta ao assassinato do policial Patrick Bastos Reis por traficantes, no Morro da Vila Júlia, no Guarujá (SP).

As incursões nas comunidades na Baixada Santista duraram 40 dias, entre agosto e setembro de 2023, deixaram 28 mortos, prenderam 382 foragidos e apreenderam menos de uma tonelada de drogas. Foram mobilizados 51 policiais, dos quais 36 disseram, na época, já ter participado de ocorrências que resultaram na morte de "suspeitos", conforme reportagem do UOL.

Já na época da operação, moradores da Baixada disseram ter visto PMs torturando e executando moradores e plantando provas para tentar forjar confronto com traficantes.

Reportagem do UOL percorreu favelas do Guarujá, Santos e São Vicente e ouviu pelo menos cinco história de inocentes mortos pela PM. Um deles estava com uma criança no colo quando foi atingido. Outro viu PMs arrastando corpos de moradores de rua para dentro de uma favela e acabou morto também. E houve o caso do cabeleireiro torturado até a morte dentro de casa.

No início de julho deste ano, o Ministério Público encerrou os 11 inquéritos que havia aberto para investigar a atuação da PM na Operação Escudo e na Operação Verão, deflagrada em fevereiro de 2024. Ao todo, 86 pessoas foram mortas nas duas ocasiões.

Os promotores dos casos concluíram que não havia elementos para transformar as investigações em ações penais, e pediram o arquivamento dos inquéritos.