SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A concessionária Enel, responsável pelo fornecimento de energia elétrica em São Paulo e 23 municípios da região metropolitana, acumula condenações na Justiça pelos prejuízos causados a empresas e moradores ante os sucessivos apagões que atingem a área de concessão desde 2023.

O problema voltou a se repetir no último dia 10, quando novo apagão deixou mais de 2 milhões de imóveis no escuro simultaneamente. A situação até agora não se normalizou por completo: na manhã desta quinta (18), 18,8 mil endereços estavam sem eletricidade.

Procurada, a concessionária afirmou que não comenta ações judiciais em andamento.

A reincidênciade problemas ameaça a Enel e levou o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) a dizer na terça (16) que daria início ao processo de rescisão contratual com a concessionária, bandeira defendida há tempos pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) .

A Folha analisou 11 processos contra a Enel relacionadas aos apagões de 2023 e de 2024 que deixaram 3,7 milhões e 2,4 milhões de clientes sem energia, respectivamente.

Dez deles resultaram em condenação, sentenças e acórdãos das quais a concessionária recorre. São decisões que determinam indenização por danos morais e materiais e ressarcimento a título de lucros cessantes --isto é, quanto uma empresa deixa de faturar em razão da falta de energia.

A condenação de maior valor entre os processos compilados pela reportagem envolve uma empresa de seguros, a Alfa Seguradora, que acionou a concessionária na Justiça após ter de arcar com despesas relacionadas a uma pane em elevadores de um condomínio residencial em Osasco.

Um laudo reconheceu que a pane foi causada pela instabilidade na rede elétrica, e a concessionária acabou condenada a restituir os R$ 97.333,10 desembolsados pela seguradora para consertar o problema.

Situação semelhante sofreu uma casa de eventos em Pinheiros, em São Paulo, que precisou suspender suas atividades durante três dias ?incluindo sexta e sábado, dias de maior receita? quando do apagão de 2024.

"O prejuízo foi enorme", disse a autora, a Casa Cagi. Foram 600 garrafas de cerveja perdidas, duas geladeiras queimadas e dois shows com R$ 50 mil em faturamento estimado cancelados. O mesmo aconteceu com oito aniversários que ocorreriam naquelas datas.

A Enel foi condenada neste caso a ressarcir a casa de eventos em R$ 59 mil, mas o valor final ainda poderá ser ajustado no cumprimento de sentença, decidiu o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo). Há ainda outros R$ 5.900 a título de danos materiais.

O mesmo ocorreu com o supermercado PMG, um atacadista de Itapecerica da Serra, que viu mercadorias estragarem em um dos apagões e precisou alugar geradores para evitar perdas ainda maiores.

A locação dos equipamentos, somada ao custo do diesel adquirido para mantê-los em funcionamento, somou R$ 53 mil ?valor que a concessionária foi obrigada a restituir.

"A Enel vem demonstrando total despreparo para lidar com situações de emergência, relegando a população a desarrazoadas horas de espera pelo retorno da energia elétrica", disse o atacadista, para quem a concessionária prometeu mais de uma vez que resolveria o problema na época. Não cumpriu.

A defesa apresentada pela Enel em todos os processos analisados pela Folha é semelhante.

Em linhas gerais, a concessionária sustenta, entre outras coisas, não ter responsabilidade sobre prejuízos porque apagões são causados por eventos fortuitos e de força maior ?como questões climáticas.

Alega também que não compete ao Judiciário analisar casos do gênero uma vez que a fiscalização do contrato caberia à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), já que o contrato de concessão é federal.

Não é uma tese que costuma ser acolhida.

"Eventos como fortes chuvas são previsíveis em São Paulo, cabendo à ré adotar medidas necessárias e preventivas para mitigar consequências", afirmou o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) ao manter sentença que mandou a Enel pagar R$ 18.816,52 a uma loja de calçados que opera em Santo Amaro, na capital.

A decisão veio no âmbito de uma ação movida pela varejista por prejuízos sofridos no apagão de 2024.

Na mesma linha caminhou a juíza Priscilla Buso Faccinetto, da 11ª Vara Cível de São Paulo, ao determinar que a Enel indenize em R$ 10 mil um cliente que ficou quatro dias sem energia.

"Ainda que se considerasse a ocorrência de temporal atípico, não se afasta a responsabilidade da concessionária porque a ela não se atribui a queda da energia elétrica decorrente do temporal, mas a inexcusável demora no restabelecimento do serviço e na adoção de medidas para mitigar prejuízos dos consumidores", diz a sentença do último dia 10.

Mas há entendimentos diferentes.

Em Cotia, por exemplo, um casal perdeu um processo que movia contra a concessionária e no qual pedia R$ 8.000 em indenização por ter ficado três dias sem energia.

A sentença, assinada pela juíza Cláudia Guimarães dos Santos no último dia 2, diz que houve "situação absolutamente imprevisível e inevitável que deu origem à suspensão dos serviços de energia, sem existir desídia da ré por não ter ocorrido retorno do serviço em prazo inferior".

Segundo a decisão, o "evento de força maior" exclui a responsabilidade da Enel.

OS ÚLTIMOS APAGÕES NA GRANDE SÃO PAULO

3.nov.23: Diversas regiões de São Paulo registraram um rastro de destruição durante aquela tarde devido a um temporal acompanhado de rajadas de vento acima de 100 km/h e granizo. Ao menos três mortes foram confirmadas pela Defesa Civil e pelos Bombeiros. Mais de 110 horas após o temporal, cerca de 11 mil imóveis continuavam, às 10h de quarta (8), sem energia elétrica na região metropolitana da capital, provocando protestos de moradores.

18.mar.24: Um apagão causou interrupções no fornecimento de energia, chegando a afetar o abastecimento de água. Segundo a Enel, uma ocorrência na rede subterrânea que atende o bairro de Higienópolis provocou interrupção por volta das 10h30. No início da manhã desta terça-feira (19) ainda havia relatos de falta de luz.

11.out.24: A cidade sofreu um grande apagão após um forte temporal, afetando mais de 2 milhões de residências. Algumas áreas levaram mais de uma semana para ter o serviço totalmente restabelecido. A Controladoria-Geral da União (CGU) concluiu mais tarde que a Enel falhou em seus planos de contingência durante este e outros eventos de 2024.

21.dez.24: Outro evento de grande escala ocorreu entre sexta (20) e sábado (21), derrubando dezenas de árvores, alagando vias e provocando transbordamentos de córregos. Na região metropolitana da capital, aproximadamente 666 mil clientes Enel chegaram a ficar sem luz. Segundo a empresa, 70% das ocorrências foram causadas pelo contato dos fios com a vegetação. Até as 20h do sábado, quase 88 mil residências continuavam sem energia.

10.dez.25: No caso atual, os ventos de quase 100 km/h deixaram mais de 2,2 milhões de imóveis sem energia na Grande São Paulo, com cerca de 1,3 milhão ainda no escuro mais de 24 horas depois.