BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) - O uso de pesticidas foi um dos tantos argumentos usados pela França nesta semana para forçar o adiamento do acordo União Europeia-Mercosul. Enquanto isso, a Comissão Europeia propunha relaxar as normas de uso e liberação do produto no continente.
"Ninguém entenderia se vegetais, carne bovina e frango quimicamente tratados com produtos proibidos na França chegassem ao nosso solo", declarou a porta-voz do governo francês, Maud Bregeon, na última terça-feira (16). No mesmo dia, um projeto sobre segurança alimentar e de animais foi apresentado em Bruxelas com alterações profundas nos ritos de aprovação e autorização de pesticidas.
A ofensiva contra o excesso de regulamentos, que estaria minando a competitividade europeia, é uma prioridade de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. Ambientalistas, no entanto, percebem um desmonte generalizado da legislação ambiental do continente, uma das mais rigorosas do mundo, em favor de interesses corporativos.
"É isto o que a Comissão entende por 'simplificação': uma afronta à ciência e aos cidadãos e um presente para os poluidores, abandonando agricultores, comunidades rurais, consumidores e nossos ecossistemas a níveis mortais de exposição a pesticidas tóxicos", afirmou Faustine Bas-Defossez, diretora do Escritório Ambiental Europeu, que congrega quase 200 entidades do setor.
O aspecto marcante da proposta é uma flexibilização do rito de aprovação e autorização de agrotóxicos, que abandonaria a lógica de prazo determinado: a liberação de pesticidas, atualmente, é reavaliada regularmente à luz de novas evidências científicas sobre o impacto dos produtos na saúde e no meio ambiente.
Guardadas as proporções, que são bem diferentes, a discussão lembra a que ocorre com frequência no Brasil. Em novembro, durante a realização da COP30, em Belém, o Ministério da Agricultura liberou o registro de 30 novos agrotóxicos, meses depois de o governo federal estabelecer um programa para diminuir o uso do produto no país.
O Brasil é líder mundial no uso do produto, segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), com dados de 2021. Muitos deles são proibidos na União Europeia e continuarão assim mesmo com o relaxamento da legislação, que precisa de aprovação do Parlamento.
É curioso notar, no entanto, como os argumentos ambientais, parte do arsenal retórico usado para emperrar o acordo UE-Mercosul por décadas, vêm perdendo força na discussão.
Como no caso do desmatamento que, em 2019, durante a gestão Jair Bolsonaro, serviu para congelar as negociações até a mudança de governo no Brasil. Nesta semana, pelo contrário, a lei antidesmatamento europeia, que preocupava ruralistas brasileiros quando aprovada em 2023, teve sua aplicação adiada para o fim de 2026.
A legislação foi desenhada para coibir a negociação de commodities provenientes de áreas desflorestadas, o que deixaria a agricultura brasileira sob forte escrutínio, mas exige controle parecido da indústria extrativista europeia. Na quarta-feira (17), o Parlamento Europeu ratificou as mudanças, que incluem também um reexame da lei -segundo críticos, com potencial para acabar de vez com sua efetividade.
Sem relação direta com o Mercosul, o cardápio de retrocessos ambientais europeus teve outro ponto alto nesta semana quando a Comissão Europeia confirmou os planos de recuar no banimento de veículos com motores a combustão a partir de 2035.
O corte de 100% das emissões, que na prática só permitiria a comercialização de carros elétricos, será agora de 90%, abrindo espaço para a sobrevivência de modelos híbridos, há muito desqualificados como solução. O setor rodoviário respondeu por mais de 10% das emissões líquidas de gases do efeito estufa em 2023.
As contradições europeias, porém, não são suficientes para amenizar as críticas feitas diretamente ao acordo UE-Mercosul. O tratado é percebido por especialistas e parte considerável da sociedade europeia com um risco ao meio ambiente e aos povos originários sul-americanos.
"Em sua forma atual, especialmente com o atraso da EUDR [a lei antidesmatamento europeia], o acordo com o Mercosul criará um aumento nas importações de carne barata de países como o Brasil, onde a produção de carne bovina aumentaria, agravando ainda mais o desmatamento", afirmou Boris Patentreger, diretor da Mighty Earth.
Segundo a ONG, 150 milhões de árvores seriam derrubadas se o tratado se concretizasse, "ameaçando a vida e os meios de subsistência de comunidades indígenas e tradicionais".
A pedido da Itália, a negociação do acordo UE-Mercosul, que prometia acabar nesta semana após 26 anos, foi estendida para janeiro. Não está claro se o prazo será suficiente para vencer as resistências que, discursos à parte, têm raízes políticas.