SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Enquanto panetones e luzes de Natal convocam para uma alegre celebração, quem perdeu alguém ou atravessa separações, desemprego, perdas gestacionais ou afastamentos familiares lida com o desconforto de não conseguir entrar no clima das festas que se avizinham.

É para ajudar a lidar com esse descompasso que o empreendedor social Tom Almeida e a jornalista Juliana Dantas escreveram o "Guia para Encarar as Festas de Fim de Ano - Informação e acolhimento para perdas e lutos", publicado pela editora e-galáxia.

A dupla integra o Movimento inFINITO, fundado em 2018 e que discute morte, finitude e aspectos relacionados como envelhecimento, adoecimento, cuidados paliativos, e, claro, luto. Um estudo encomendado pela entidade e que analisou 2.700 depoimentos sobre luto em datas comemorativas foi a semente para a empreitada atual: as pessoas enlutadas tendem a se sentir desajustadas e temerosas à medida que a virada de ano se aproxima.

O resultado é um livro leve, fácil de ler e que ajuda o leitor a explorar uma trilha de possibilidades em meio a uma situação difícil, com perguntas para entender a si mesmo e espaço para escrever as próprias ideias.

Almeida explica o processo de luto usando a ideia de um movimento pendular. "Em alguns momentos a pessoa está mais direcionada para a dor, para o sofrimento, para o isolamento, por querer chorar ao ver as fotos e ficar nesse lugar da dor, e em outro momento ela vai para um lugar de reconstrução, de se relacionar, de planejar um novo passo", diz.

Para lidar com as idas e vindas, o livro parte de uma premissa: a pessoa enlutada não é obrigada a nada. Nem a participar da ceia, nem a manter tradições, nem a fingir alegria que não sente.

"A nossa intenção com esse livro é autorizar e também inspirar. Autorizar no sentido de que, às vezes, a gente precisa de uma autorização de fora falando: 'Você pode mudar'", diz o autor. Segundo ele, a obra funciona como uma validação para que a pessoa faça escolhas diferentes sem culpa.

O problema surge quando o vaivém enferruja. "Pode ser que esse processo pendular esteja parado, estagnado só nesse sofrimento: a pessoa não consegue voltar, se organizar, desde as tarefas mais simples", explica Almeida. É aí que talvez seja necessária ajuda de um profissional de saúde ou de um psicólogo ou psiquiatra especializados em luto.

Dantas faz distinção entre o luto saudável e o chamado luto complicado. "Tem que pensar sempre em tempo, intensidade e prejuízos, quando a gente vai falar do chamado luto complicado. Aí a gente já está falando de um luto se traduzindo talvez em um adoecimento psíquico", diz. Mas ressalva: "O luto, por excelência, é humano, natural, saudável, desejável".

O isolamento de pessoas enlutadas, diz a autora, nem sempre indica que o luto se complicou --pode ser uma resposta ao ambiente. "É preciso pensar em qual é esse ambiente em que a pessoa é recebida. Será que ela vai se sentir cobrada, ou está sendo cobrada de fato? Às vezes, é algo subjetivo, mas quem está com essa dor percebe."

"Não tire conclusões precipitadas nem sobre si nem sobre o outro. Não tente rotular, patologizar um luto, que é uma resposta totalmente natural a um evento trágico", afirma Dantas. Almeida sugere comunicação como estratégia: "Faça pedidos claros daquilo que você precisa e coloque os limites até onde vai essa negociação".

Para quem convive com alguém enlutado, é possível oferecer ajuda atuando como um guardião nesses momentos. Isso implica perguntar se a pessoa quer conversar, demonstrar disponibilidade ou questionar se há algum pedido específico que possa tornar a situação mais confortável.

"A pessoa pode se sentir mal porque vão tratá-la como um ser de outro planeta, como quem tem doença contagiosa. Às vezes tudo que ela precisa é de normalidade, que façam as mesmas piadas, que citem o nome do filho, e que não fiquem cheios de dedos, como se ela fosse um cristal fácil de quebrar", diz Dantas.

Os autores propõem uma reflexão: avaliar o que se está fazendo por obrigação e o que vem de um desejo genuíno. Muitas vezes a pressão não vem de fora, mas de uma autocobrança que pode transformar rituais que deveriam acolher em fonte de sofrimento.

"No próximo Natal, depois de passar por esse treinamento dessa musculatura emocional -de se autorizar, de rever, de colocar limites mais claros- a gente não fala que vai ser mais fácil ou mais difícil, mas 'mais possível'", diz Dantas.

SETE MANEIRAS PARA ENFRENTAR O LUTO NO PERÍODO DAS FESTAS

Luto e alegria coexistem

O luto não é feito só de dor, tristeza e angústia. A pessoa enlutada pode sentir alegria e isso não invalida o luto. Permita-se sentir tudo sem autocensura.

Desistir é permitido

Você pode agradecer e desistir de um convite que tenha previamente aceitado. É válido mudar de ideia conforme o estado emocional se modifica, sem culpa.

A cadeira vazia

A ausência física à mesa torna o vazio ainda mais concreto. Deixar ou não uma cadeira vazia? Colocar ou não o prato da pessoa que se foi? Não há resposta certa. A orientação é decidir o que funciona para você e comunicar claramente aos outros o que está disposto a fazer.

Lutos não reconhecidos

Perdas gestacionais, separações, desemprego, morte de animais de estimação e infertilidade geram sintomas de luto legítimos. Se você está passando por uma dessas situações, permita-se reconhecer sua dor como luto, mesmo sem validação social imediata.

Tradições culinárias

A comida carrega memória afetiva. Em vez de pratos tradicionais, experimente receitas de países distantes sem vínculo emocional, ou aquela receita salva no celular esperando o momento certo. O legado culinário pode ser mantido, adaptado ou temporariamente abandonado.

A que brindar?

Mesmo em luto, há algo a celebrar? Pense em aspectos como "no meio da dor, vi quanto amor os outros sentem por mim", ou "reconheci a minha potência". Celebrar a vida também honra quem partiu.

Levezas possíveis

Considere alternativas leves para as festas -como uma noite de jogos em vez da ceia tradicional. Inaugurar novas tradições que não carreguem o peso das antigas pode ser um caminho.