BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - No ano em que recebeu a COP30, a conferência sobre mudança climática das Nações Unidas, e teve uma queda histórica no desmatamento florestal, o Brasil também viu o governo Lula (PT) liberar a exploração de petróleo em Foz do Amazonas e o Congresso aprovar a flexibilização do licenciamento ambiental.
A avaliação de ambientalistas é que o ano foi de altos e baixos nessa área. Para 2026, há o temor de um cenário preocupante, contaminado pelo calendário eleitoral.
O receio de ambientalistas é que políticos defendam uma agenda de flexibilização das regras de preservação e avancem com essa pauta no Legislativo, em busca de apoio de parte do eleitorado de direita.
"Em 2026, a base de extrema-direita e negacionista pode usar essa agenda para subir a temperatura do debate eleitoral e fazer campanha", diz Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Gabriela Nepomuceno, especialista em políticas públicas do Greenpeace, alerta que esse cenário pode ampliar pautas de mineração em terras indígenas e de terras raras, assim como a regularização da grilagem fundiária.
"A bancada mais conservadora deve investir nessa agenda como forma de sinalizar para seus eleitores. Talvez até governistas [farão o mesmo], em busca de votos. Vai ser uma investida sobre aquelas fronteiras exploratórias que ainda não foram ocupadas, e tudo isso deve impulsionar o desmatamento", diz.
CONGRESSO APROVOU MUDANÇAS NO LICENCIAMENTO
A proposta que flexibiliza e simplifica o licenciamento ambiental é classificada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, como o principal retrocesso aprovado no Congresso em 2025.
A nova lei geral retira poder da União, institui a LAC ?licença concedida apenas diante da promessa de não descumprir regras ambientais?, pode impulsionar a mineração e obras de infraestrutura, e enxuga instrumentos de consulta a comunidades afetadas por esses empreendimentos.
Como revelou a Folha de S.Paulo, a lei também criou a LAE (Licença por Adesão e Compromisso), dispositivo apadrinhado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que facilita obras consideradas estratégicas pelo governo e pode facilitar o avanço de empreendimentos como a exploração de petróleo em Foz do Amazonas.
O governo Lula até tentou emplacar uma versão alternativa da legislação, em acordo com Marina, mas a iniciativa foi derrubada pelo Legislativo, que ainda criou um dispositivo para impulsionar a BR-319.
A única sugestão proposta pelo governo Lula e aprovada foi a da LAE. "É o principal ponto negativo para o Executivo. Foi uma decisão de Estado e que se viu fortalecida pela no Congresso", avalia Nepomuceno.
A LIBERAÇÃO NA FOZ DO AMAZONAS
Menos de um mês antes do início da COP30, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) liberou a exploração do bloco 59 de Foz do Amazonas, após mais de uma década de debate e sob críticas de ambientalistas.
Na prática, isso abre uma nova frente de exploração de petróleo no Brasil.
"O caso de Foz do Amazonas entra num contexto mais abrangente e que extrapola o Congresso e o Executivo, porque se conecta a uma forma de pensar que nos parece ultrapassada. Uma mentalidade de forças de desenvolvimentismo que reflete uma perspectiva de enxergar a economia brasileira", diz Nepomuceno.
Apesar de criticado por ambientalistas, o empreendimento teve amplo apoio no Congresso, inclusive de Alcolumbre, cujo estado deve ser beneficiado com os rendimentos dessa atividade.
Também dentro do Executivo, apesar das críticas de Marina, houve amplo apoio, a exemplo do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, do também amapaense e líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (PT), e do próprio Lula.
A exploração de combustíveis fósseis é o principal vetor da mudança climática no mundo, e corresponde a cerca de 70% de toda a emissão de gases CO2 do mundo.
COP30 E A CONTRADIÇÃO
Apesar da liberação de Foz, Lula fez com que o principal tema da COP30 se tornasse o plano para redução da dependência dos combustíveis fósseis ?que até então era um tabu.
O chamado "mapa do caminho" quase implodiu as negociações, mas ao final a diplomacia brasileira conseguiu negociar um acordo e irá elaborar uma proposta de plano, que pode ter adesão de outros países.
"É uma contradição. O recado de Lula ao liberar a licença de Foz e propor o mapa na COP é dizer: o Brasil não fará nada sozinho, enquanto o mundo não fizer, e continuará emitindo suas licenças. Politicamente pode fazer algum sentido, mas do ponto de vista da ciência climática, não. Precisamos parar de explorar", diz Astrini.
"Mas do ponto de vista de percepção publica, a gente termina o ano com a agenda ambiental e de clima muito mais capaz de conversar com a população em geral do que antes. A COP atingiu públicos que antes não atingia", pondera.
DESMATAMENTO, AUTORIDADE CLIMÁTICA E MARCO TEMPORAL
Em 2025, após três anos do retorno de Marina Silva ao Ministério do Meio Ambiente, o Brasil registrou o terceiro menor índice de desmatamento de sua história, uma redução de 50% na comparação com o governo de Jair Bolsonaro (PL), quando a taxa explodiu.
Por outro lado, a criação da autoridade climática defendida por Marina segue estagnada na Casa Civil.
Uma das explicações é justamente o fato de que a criação do órgão precisaria ser aprovada pelo Congresso e, portanto, poderia acabar sendo uma nova derrota para o governo Lula.
Neste ano, além do licenciamento, o Legislativo também avançou de forma acelerada com a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do marco temporal para demarcação de terras indígenas.
A aprovação no Senado aconteceu em resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou a tese inconstitucional.
Para Nepomuceno, desde que o Legislativo dominou o Orçamento por meio das emendas parlamentares, ele centralizou poder e dificultou a negociação política, fazendo oposição ao Executivo e ao Judiciário, em um cenário no qual os outros dois Poderes são pouco capazes de oferecer resistência.
Este panorama, avalia, se traduz na política ambiental na derrubada dos vetos ao licenciamento ou na aprovação do marco.
"O balanço geral é muito negativo no Congresso. Essa crise institucional, que passa por um Congresso que tem se tornado cada vez mais conservador, acaba contaminando a tramitação dos projetos ambientais", diz.