RECIFE, PE (FOLHAPRESS) - Nos arredores da oca sagrada onde os indígenas tuxás realizam rituais em Inajá (PE), a 386 km do Recife, já não se vê mais um pé de jurema (Mimosa tenuiflora). Essa planta é a mais importante do sistema medicinal deste povo. Outras espécies essenciais, a exemplo do peão-roxo, também estão escassas.
A dificuldade para plantá-las se deve ao solo degradado e à pouca chuva. Com isso, os membros da aldeia precisam percorrer 27 km até o topo de uma serra onde está a única mata virgem que dispõe de ervas e sementes indispensáveis para cerimônias e cuidados com a saúde. O socorro a um enfermo exige rapidez, e essa distância tem causado transtorno aos indígenas.
Primeira pajé mulher da etnia, Anailio Inaê ou Aline Tuxá, conta que sentiu o problema ainda em 1988, ano em que o seu povo chegou ao atual território. Eles vieram da Ilha da Viúva, em Rodelas, na Bahia, considerado o "território mãe", que foi inundado pelas águas da barragem Luiz Gonzaga.
"Na Ilha da Viúva, onde a gente vivia, tinha como pegar as ervas perto. Aqui, quando a gente chegou, encontrou escassez. Era uma fazenda e tinha sido muito desmatada", explica.
A pajé conta que existem plantas às margens da estrada, porém, estas não são adequadas para os preparos de medicamentos e rituais, daí a necessidade de colher na mata a espécie cuja raiz contém dimetiltriptamina (DMT). Esse psicodélico também está presente na ayahuasca, ou daime, e vem sendo pesquisado como alternativa de tratamento para depressão.
O solo da Aldeia Funil, como é chamada, está compactado pelos anos de uso na agropecuária, o que o torna difícil para produção. Além disso, o clima na região é semiárido, com chuvas concentradas em apenas quatro meses do ano.
E os efeitos das mudanças climáticas têm complicado esse quadro, explica Aline. Em vez das chuvas se distribuírem ao longo dos dias, mais recentemente é comum que caia uma tempestade em um único dia, seguida de dias totalmente secos. Esse desequilíbrio destrói as lavouras e impede as plantas medicinais de se desenvolverem.
Outro complicador para a umidade no local é o desmatamento. Segundo a plataforma MapBiomas Alerta, Inajá, cidade onde fica a Reserva Indígena Tuxá, está na lista dos dez municípios com mais terras indígenas desmatadas no período de janeiro de 2020 a dezembro de 2024.
A tradição tuxá é marcada por diversos rituais sagrados profundamente ligados à natureza. A jurema, com a qual se faz o chamado vinho, é a planta que possui o papel de conectar os povos aos ancestrais, por isso seu papel é indispensável.
O batismo na jurema, cerimônia que inicia os curumins na tradição, é um dos rituais mais relevantes. E, na Alvorada, vigília guiada por cânticos, são reveladas previsões futuras sobre chuva e colheita.
Diariamente, a pajé recebe membros com doenças físicas e espirituais, que demandam socorro imediato. Muitos desses chás e bebidas precisam ser preparados com ervas frescas.
Ela é a responsável por conduzir o sistema medicinal e religioso da etnia, mas conta com a ajuda do juremeiro, responsável pela coleta e preparo do vinho da jurema, e dos cabeças de toré, que são membros autorizados a auxiliar a pajé em certas atividades.
"Enquanto eu estou rezando, ajudando o enfermo, um cabeça de toré corre na mata e pega as ervas frescas para fazer a mezinha", detalha. Mezinha é o remédio caseiro usado para tratar algumas enfermidades.
A umburana-de-cheiro batida e torrada serve para dor de dente. O manjericão trata febre. Há ainda alfavaca, marmeleiro, colônia, mandacaru, peão-roxo, entre outras espécies indispensáveis aos rituais e preparos.
Pensando em garantir o futuro da tradição, os tuxás criaram uma área de reflorestamento com plantas medicinais. "A nossa motivação foi para reflorestar, porque o homem veio com a ação dele [desmatou], mas a gente não pode só ficar com a mão cruzada", explica a pajé.
O canteiro fica ao lado do DDCom, espaço onde são realizados os rituais sagrados. O maior desafio, prossegue Aline, é fazer as plantas se desenvolverem diante das chuvas irregulares. "Esse ano, no ritual Alvorada, já vimos que teria pouca chuva", relembra.
Por outro lado, este ano, as previsões já mostraram que 2026 deve ser mais promissor. "O ano que vem vai ser melhor, duas frutas deram sinal de chuva: o umbu e as folhas do mandacaru", detalha a pajé. "Eu tenho fé em Deus de ver esse espaço reflorestado."
Romildo Tuxá, juremeiro da aldeia, conta que "já plantou diversos pés de jurema, mas não deu nada". Ele explica que a planta "não vinga em todo canto". Agora, após muitas orações, uma muda está se desenvolvendo. "É a única jurema da aldeia, com muita reza, já está grande", comemora.
Ele muda, porém, o tom de voz para mostrar a diferença no tratamento que os indígenas e não indígenas dão à natureza. "A gente não tira a jurema de todo jeito. A gente acende o cachimbo, escuta as orientações dos encantados para saber como tirar. Mas os fazendeiros, para construir roça, desmatam tudo", compara.