SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A diferença entre a última vaga e o primeiro candidato eliminado no vestibular do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) foi de 0,001 ponto neste ano. O alto grau de competitividade do processo seletivo, impulsionado pelo desempenho de estudantes do Nordeste, levou o instituto a romper uma tradição de 75 anos e anunciar a abertura, em 2027, de um campus em Fortaleza.
Movimento semelhante ocorre no campo da matemática. O Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) decidiu criar uma unidade do Impa Tech no Nordeste, fora do eixo Rio?São Paulo, após o lançamento do bacharelado tecnológico no Rio, em 2024. O curso é voltado principalmente a estudantes medalhistas em competições científicas.
As duas iniciativas sinalizam uma mudança no mapa da formação científica de elite no país, historicamente concentrada em poucos polos. Em entrevistas à Folha, representantes das instituições apontam como fator central a excelência dos estudantes da região.
No caso do instituto militar, hoje baseado em São José dos Campos (SP), a escolha do Ceará levou em conta o histórico de aprovações de candidatos em um vestibular considerado um dos mais difíceis do país, além da presença de universidades consolidadas, da vocação do estado para energias renováveis e da infraestrutura acadêmica já existente. O Ceará também abriga cursinhos e projetos voltados especificamente à preparação para o exame da instituição.
O reitor do ITA, Antonio Lorenzi, afirma que a expansão responde a transformações sociais, econômicas e produtivas do Brasil. Segundo ele, o instituto precisa se adaptar para continuar cumprindo seu papel no desenvolvimento nacional, função que exerce desde sua criação, nos anos 1950.
Outro fator decisivo, diz Lorenzi, é a alta competitividade do vestibular. "Alguns alunos que não conseguem entrar têm uma competência muito próxima daqueles que entraram", afirma. Para ele, isso indica espaço para crescer sem comprometer a excelência acadêmica.
O diretor de Ensino da Organização Educacional Farias Brito, Marcelo Pena, concorda. "São alunos muito bons, com desempenho praticamente igual ao dos aprovados", diz.
Na edição deste ano, a nota de corte da segunda fase na ampla concorrência foi de 7,1805. A maior nota entre os não aprovados foi 7,1794. Nas vagas reservadas por critérios raciais, a nota mínima dos aprovados foi 6,4777, contra 6,4738 do primeiro candidato fora da lista.
O campus do ITA no Ceará oferecerá cursos inéditos na instituição: engenharia de energia e engenharia de sistemas. As graduações foram definidas por atender a demandas estratégicas. A primeira terá foco em diferentes matrizes energéticas, com formação em gestão e cadeia produtiva, enquanto a segunda busca formar profissionais aptos a coordenar projetos tecnológicos complexos.
A decisão também é vista no estado como reconhecimento de um trabalho contínuo de formação acadêmica, afirma Pena. Segundo ele, o Ceará concentra há anos um dos maiores números de aprovados no vestibular do ITA.
O novo campus ficará dentro da base aérea de Fortaleza e terá alojamento e regime de dedicação integral, nos mesmos moldes de São José dos Campos. As aulas devem começar em 2027, após a conclusão das obras, prevista para o primeiro semestre de 2026.
O modelo acadêmico será único. Todos os alunos cursarão os dois primeiros anos no campus paulista, no chamado curso fundamental, com disciplinas comuns de matemática, física, química e humanidades. A partir do terceiro ano, os estudantes que optarem pelos novos cursos seguirão para Fortaleza.
O vestibular não será alterado. O número de vagas passou de 150 para 180 no ano passado para acomodar a expansão. Os alunos que ingressaram nos dois últimos processos seletivos já concorrem às vagas dos cursos que funcionarão no Ceará.
Dentro da comunidade de ex-alunos, a decisão gerou reações divididas. Parte manifestou preocupação com a possibilidade de perda de qualidade. Para Lorenzi, a resistência é natural e tende a diminuir com o avanço do projeto.
A presença do ITA no Nordeste deve ampliar a procura pelo vestibular, mas não deve alterar de forma significativa o perfil socioeconômico dos estudantes, avalia o reitor.
Hoje, muitos aprovados migram de diferentes regiões do país para cursinhos especializados antes de ingressar no instituto. Segundo Pena, a abertura do campus também deve beneficiar estudantes de todo o país. Atualmente, afirma, cerca de 65% dos alunos do Farias Brito vêm de fora do Ceará, atraídos pelo desempenho da escola em vestibulares e olimpíadas científicas.
IMPA TECH FORA DO RIO SERÁ NO NORDESTE
A nova unidade do Impa Tech será instalada em Teresina, em parceria com o Governo do Piauí, e deve iniciar atividades em 2026, com calendário ainda a ser definido. O curso seguirá o modelo do Impa Tech do Rio, com bacharelado em matemática voltado à formação profissional para áreas como tecnologia, ciência de dados e inteligência artificial.
Segundo o diretor-geral do Impa, Marcelo Viana, que é colunista da Folha, a decisão também se apoia em uma tradição histórica da região na formação de matemáticos. Ele cita nomes como Maurício Peixoto, Manfredo do Carmo e Elon Lages Lima, todos pesquisadores do Impa, além de Jairo de Figueiredo, professor da Unicamp.
Viana afirma que, mais recentemente, o Nordeste passou a ter participação expressiva nas olimpíadas de matemática, com milhares de medalhas conquistadas por estudantes da região. "Há um contingente grande de jovens talentosos, que são potenciais candidatos ao Impa Tech", diz.
Segundo ele, o foco do curso é a formação profissional de alto nível para um mercado que demanda especialistas capazes de resolver problemas complexos com base matemática sólida. "Isso não exclui a formação acadêmica, mas a ênfase está na aplicação", afirma.
A unidade deve oferecer até 50 vagas por ano, com apoio integral aos alunos, incluindo moradia e auxílio para subsistência. O investimento inicial previsto é de cerca de R$ 18 milhões, destinados principalmente a bolsas, contratação de professores e manutenção da estrutura.
Para Viana, o impacto do projeto só poderá ser medido no longo prazo. O objetivo é que, em alguns anos, o diploma do Impa Tech seja reconhecido no mercado de trabalho com peso simbólico semelhante ao hoje associado à* formação no ITA.
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ITA (INSTITUTO TECNOLÓGICO DE AERONÁUTICA)
Campus 1 - São José dos Campos (SP)
Alunos de graduação: 795
Ingressantes por ano: 180
Cursos oferecidos:
- Engenharia Aeronáutica
- Engenharia Eletrônica
- Engenharia Mecânica
- Engenharia Civil
- Engenharia de Computação
- Engenharia Aeroespacial
Campus 2 - Fortaleza
Previsão de transferência em 2027: cerca de 40 alunos
- 20 para Engenharia de Energia
- 20 para Engenharia de Sistemas
IMPA TECH
Campus 1 - Rio de Janeiro
Graduação: Matemática da Tecnologia e Inovação
Alunos na graduação: 160 estudantes
Ingressantes por ano: 100
Campus 2 - Teresina
Previsão de início: 2026
Graduação: Matemática da Tecnologia e Inovação
Ingressantes por ano: 50