SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As cenas de viaturas policiais e da Receita Federal na porta de edifícios na avenida Faria Lima, em São Paulo, são um resumo da mudança de percepção sobre o PCC (Primeiro Comando da Capital) que ocorreu em 2025. Com a Operação Carbono Oculto, em agosto, a facção criminosa com origem no sistema penitenciário paulista passou a ser associada a um símbolo do mercado financeiro nacional.
Os sinais de que a atividade financeira da facção alcançaram um novo patamar apareciam havia mais de um ano. Estavam nas duas empresas que prestavam serviço municipal de ônibus em São Paulo, alvos da Operação Fim da Linha, e na delação premiada de Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, que apontou esquema da facção no mercado imobiliário, no agenciamento de jogadores de futebol e em fintechs ?assim como casos graves de corrupção policial.
Esses e outros casos trouxeram indícios de que integrantes do PCC e seus associados não apenas lavam dinheiro na economia formal, mas também obtêm renda de forma lícita. No caso das empresas de ônibus, o lucro vinha, inclusive, de subsídios que saem dos cofres municipais.
Na Carbono Oculto, porém, a investigação apontava para a infiltração do crime organizado não apenas em toda a cadeia de combustíveis, como em dezenas de fundos de investimento e em uma das maiores gestoras independentes do país.
"As investigações começaram a chegar em alvos que não eram usuais", diz Eduardo Velloso Roos Neto, do Gaeco, que recebeu a reportagem junto com outros integrantes do núcleo especializado. Ele considera que a preocupação de novos setores da sociedade com o PCC é "adequada para o momento que vive a facção".
Levantamento feito pela reportagem aponta ao menos 50 operações em que o PCC foi citado no estado de São Paulo ao longo de 2025, por órgãos federais e estaduais. Os bloqueios de bens e valores autorizados pela Justiça nessas operações chegam a R$ 23,9 bilhões, de acordo com o que foi anunciado por esses órgãos.
Apenas as quatro operações ligadas à Carbono Oculto (além dela, Tank, Quasar e Spare miraram alvos com conexões entre si) obtiveram bloqueios judiciais que somam R$ 10,6 bilhões.
Para o levantamento, feito a partir de sites de órgãos oficiais e sites de notícia, foram consideradas operações que tiveram ao menos um mandado de prisão ou de busca e apreensão cumprido em São Paulo, mesmo em casos em que a investigação teve início em outros estados. Pelo menos 273 pessoas foram presas nessas 50 operações. Não foram consideradas prisões pontuais e operações feitas em outros estados.
Ao longo de 2025, 18 policiais militares e 6 policiais civis foram presos por envolvimento no caso Gritzbach ?entre executores do crime, integrantes da escolta do delator, e acusados de extorquí-lo e se associarem a membros do PCC.
Investigando novos esquemas de lavagem de dinheiro, promotores perceberam uma mudança na lógica de organização da facção. Empresários parceiros do PCC e facilitadores, aqueles que prestam serviços informais ao crime, ganharam importância.
Embora não sejam integrantes "batizados", eles têm relações de negócio com o grupo criminoso e são submetidos às regras disciplinares do PCC caso descumpram acordos ou cometam traição, afirmam os promotores.
"Apesar do complexo de relações horizontais que esses parceiros têm com a facção, isso não significa que eles não se submetam à hierarquia. Se descumprir algum acordo, o que vale é aquele velho estatuto do PCC", diz o promotor Carlos Gaya.
A brutalidade da facção se constatou mais uma vez no assassinato do ex-delegado-geral Ruy Ferraz Fontes, em Praia Grande (SP). As autoridades também impediram dois planos de atentado contra promotores de Justiça ?Amauri Silveira Filho e Lincoln Gakiya? e um coordenador regional do sistema penitenciário paulista.
Os alvos eram monitorados com drones, e seus familiares eram filmados na rua. Em um dos planos investigados, a polícia encontrou indícios de que criminosos teriam encomendado uma metralhadora que seria instalada em uma caminhonete blindada.
Apesar de cenas com barricadas em favelas e homens do tráfico ostentando fuzis não serem comuns em São Paulo, para os promotores do Gaeco isso não significa ausência de violência e ameaças na maneira como a facção paulista opera.
Eles estão mais preocupados com a infiltração do PCC na economia formal e suas consequências para a estabilidade social no país. "A infiltração na economia formal anda de mãos dadas com a corrupção de agentes públicos", diz o promotor Danilo Pugliese, lembrando que a entrada do dinheiro do crime nas empresas formais também é o caminho que leva à política.
"Essa é a fronteira final. Se você tiver campanhas financiadas principalmente por empresas que estão contaminadas pelo crime organizado, fica muito difícil fazer qualquer política pública", afirma.