PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) - Encontrar areia todo dia depois de varrer a casa nunca foi algo estranho para a funcionária pública aposentada Vanda Rodrigues, 67, moradora do litoral norte do Rio Grande do Sul há quase três décadas. Entretanto, quando se mudou há oito anos com o marido para o balneário de Costa do Sol, em Cidreira, a escala da faxina aumentou como nunca.
"Como na época só tinha uma cerquinha de madeira, cada vento jogava areia para dentro do nosso pátio. Muita areia, de tirar quantidades em carrinho de mão. Era dentro de casa, era para todo lado", conta Vanda. A solução encontrada foi erguer um muro de contenção de cinco metros de altura para impedir que sua casa fosse engolida.
Ter um muro tão alto quanto ou maior que a própria casa foi o mesmo caminho adotado por quase toda a comunidade da Costa do Sol, vizinha de um extenso campo de dunas com aproximadamente 10 km de extensão e em constante movimento.
"Eu faço caminhada quase todos os dias pela manhã com meus cachorros, e a cada dia eu noto uma diferença nelas. Um dia uma está mais alta, depois já baixou, lá onde não tinha uma duna agora tem."
Hoje, diz Vanda, o problema é maior em imóveis que pertencem a veranistas, que passam períodos curtos de dezembro a março e depois voltam para suas cidades e não retornam para fazer uma limpeza ou manutenção regular.
"Muitas das casas que também têm as dunas de fundo já soterraram ou não existem mais porque os donos não cuidaram", diz Vanda.
Também moradora da Costa do Sol, a comerciante Ivone Carneiro, 42, diz que a expansão desregrada de ruas no passado e habitações irregulares agravaram o problema.
"As pessoas se arriscam, constroem em cima de lugares que não é certo fazer. As dunas não prejudicam ninguém, é o contrário, as pessoas que prejudicam as dunas."
A movimentação da areia é um fenômeno enfrentado há décadas em outras cidades gaúchas como Balneário Pinhal, Osório e Palmares do Sul. Em trechos da orla de Tramandaí, as dunas já atingiram o segundo andar de algumas residências e soterraram parcialmente os imóveis perto da praia.
"Não é todo lugar que você constrói a sua casa que o terreno se move. Normalmente, o terreno é algo estático. Agora, onde você tem dunas, ele se movimenta", explica o professor de oceanologia da UFRGS Gerson Fernandino de Andrade Neto.
Ele diz que o desenvolvimento urbano no território, que tem alta incidência de dunas tanto na orla quanto em trechos de terra firme, entrou no caminho da corrente de vento característica da região --o "Nordestão", como é popularmente chamado pelos habitantes do litoral do estado.
"As cidades começaram a se desenvolver por cima desses campos de dunas e passaram a interromper, ou pelo menos ficar no meio desse trânsito de sedimentos que antes livremente se deslocavam por aqui", diz Gerson.
O professor afirma que essas cidades precisam considerar os impactos de novas obras de construção civil e expansão da zona urbana no fluxo natural da areia. O litoral norte teve um aumento populacional de 32% entre 2010 e 2022, segundo o IBGE, com crescimento acentuado após a pandemia de Covid-19.
As prefeituras do litoral não têm autonomia para intervenções por se tratar de APPs (áreas de preservação permanente), mas podem fazer ações como o plantio de vegetação nativa para ajudar na fixação das dunas e o manejo controlado, permitidas pela legislação e por normativas do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) sobre o tema.
Todos os municípios devem ter um plano de manejo de dunas e submetê-lo à Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental).
Em Imbé, equipes de limpeza urbana fazem limpeza regular com pás, enxadas e vassouras, chegando a usar retroescavadeiras e caminhões-caçamba conforme o caso, explica o secretário de meio ambiente do município, Gilcimar Amando.
Com a proximidade do verão e dos turistas, o serviço é intensificado para diminuir o acúmulo sobre ruas, calçadas e áreas de intensa circulação de pessoas.
O secretário diz que os restos das dunas retiradas desses locais são utilizados em obras municipais, pois não podem ser devolvidos para a natureza. "Não tem como recolher a areia [na rua] sem ter algum resíduo que não era dela. Se põe no lugar, pode afetar a fauna natural."
A prefeitura aguarda licenciamento para iniciar uma obra de cercamento de dunas com toras de madeira para cercear os "caminhos de rato", atalhos feitos pelos banhistas que alteram a estrutura da duna.
Nos casos de soterramento parcial de imóveis, Gilcimar diz que o município pode auxiliar na orientação de como o morador deve proceder, mas a manutenção cabe aos donos. "A gente não pode retirar a duna porque ela vai ou não invadir o espaço do município. A duna é uma proteção, uma barreira natural e impede o mar de avançar para dentro da nossa cidade."
A perda dessa barreira é outro desafio urbano no litoral gaúcho: os ventos do ciclone que atingiu a cidade no começo de dezembro diminuiu o tamanho de muitas dunas, diz o secretário.
A força da tempestade destruiu mais de dez quiosques e chegou ao portão de residências à beira-mar. Além disso, prejudicou o crescimento de mudas de erva-de-bicho, plantadas para estabilizar as dunas a longo prazo.
"Uns ficam preocupados porque a areia vem para dentro da cidade, e os que têm casas na orla da praia têm medo de a areia sair do fundo da casa deles, porque depois o mar vai invadir", afirma Gilcimar.