SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma década após a assinatura do Acordo de Paris, tratado internacional para conter o aquecimento do planeta, 2025 chega ao fim sem novas metas climáticas de 64 nações. O ano foi marcado pelo atraso generalizado na entrega dos documentos.
As contribuições nacionalmente determinadas (conhecidas pela sigla em inglês, NDCs) são definidas voluntariamente por cada país e indicam os compromissos para a redução das emissões de gases do efeito estufa. As atualizações são previstas a cada cinco anos e devem ser mais ambiciosas que as versões anteriores, considerando o objetivo de limitar o aumento da temperatura da Terra a 1,5°C em relação à era pré-industrial.
Todos os 195 signatários do tratado deveriam formalizar suas metas para 2035 até o início de fevereiro. Porém, apenas 12 o fizeram nesse prazo. A convenção das Nações Unidas para mudança climática (UNFCCC) estendeu o prazo para setembro, mas o total ainda era de somente 64 novas NDCs à época.
Até esta terça-feira (30), 131 integrantes do acordo protocolaram seus documentos no sistema oficial da ONU. Países em desenvolvimento são a maioria dos atrasados.
A Índia, terceira maior poluidora da atualidade, começa 2026 devendo a publicação de seu compromisso climático, assim como a Argentina e a Arábia Saudita. Juntas, essas nações representam 10,5% das emissões globais, segundo o monitoramento de gases-estufa da Comissão Europeia.
Alexandre Prado, líder de mudanças climáticas no WWF-Brasil, vê com preocupação o atraso nos documentos dos três países, principalmente por integrarem o G20, bloco das maiores economias do mundo, e diz que a qualidade das novas metas importa tanto quanto a quantidade.
"Mesmo os países do G20 que entregaram NDCs, em geral, elas não estão ambiciosas em relação ao que deve ser feito para cumprir o Acordo de Paris, não estão compatíveis com o 1,5°C, principalmente nas ambições de eliminar desmatamento e sair dos combustíveis fósseis", afirma.
Nações africanas e asiáticas compõem a maior parte dos atrasados na divulgação dos documentos, incluindo Egito, Namíbia, Irã e Vietnã, além de pequenos Estados insulares, como Haiti, Nauru e Kiribati.
Também há economias desenvolvidas na lista, como Israel. Outras entregaram o novo objetivo há poucos dias, como a Coreia do Sul, que o fez na última sexta (26).
Prado afirma que a insatisfação dos países em desenvolvimento com o financiamento climático ajuda a explicar o atraso na entrega das NDCs. "Enquanto isso não for resolvido, é difícil cobrar que países com emissões baixas aumentem suas ambições sem financiamento adequado para a transição."
A COP29, conferência climática de 2024, selou um acordo de US$ 300 bilhões anuais em recursos para as nações mais pobres, valor muito abaixo do US$ 1,3 trilhão exigido. O tema transbordou para a cúpula seguinte, e discussões sobre dinheiro ameaçaram travar o andamento da COP30, que aconteceu em Belém (PA).
"A Índia foi um dos países que mais ficaram insatisfeitos com o resultado da COP29", lembra Prado.
A presidência brasileira da conferência considerava a possibilidade de apenas cem nações entregarem metas a tempo da COP30, realizada em novembro. No final daquele mês, o total era de 124 NDCs cadastradas no sistema oficial.
A omissão dos maiores poluidores fez com que o relatório-síntese da UNFCCC, documento que pretendia avaliar se as novas metas são suficientes para combater as mudanças climáticas, terminasse inconclusivo. A análise publicada no final de outubro considerou apenas os compromissos de 64 países. A União Europeia, quarta maior emissora atual, ainda não havia confirmado seus objetivos.
Na abertura da COP30, a ONU divulgou outro relatório, abarcando 86 NDCs, incluindo a do bloco europeu. Caso as metas sejam atingidas, as emissões de carbono devem cair cerca de 12% até 2035, comparado aos níveis de 2019. O valor está muito abaixo do corte de 60% considerado necessário para conter o aquecimento global em 1,5°C até o final do século.
Apesar disso, o relatório aponta que o cenário seria muito pior sem as medidas adotadas na última década. Segundo o texto, antes da adoção do Acordo de Paris, o aumento projetado nas emissões para 2035 era de 20% a 48%.
A UNFCCC não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre o atraso na entrega das metas e a previsão de novas análises sobre os documentos.
Prado diz que a organização deve elaborar outro relatório-síntese antes da COP31, a ser realizada na Turquia em novembro de 2026.
O ambientalista afirma ter expectativas com os chamados mapas do caminho para o fim do desmatamento e dos combustíveis fósseis. Esses documentos serão produzidos de forma voluntária pela presidência brasileira da COP30, após o tema não ser aprovado por consenso na conferência.
"O quanto isso [a elaboração dos mapas do caminho] pode interferir na melhoria da qualidade das NDCs e na entrega desses países que estão faltando é uma dúvida que vamos resolver nos próximos 10, 11 meses."