SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um artigo trouxe pistas de como a atmosfera pode ter contribuído para o surgimento da vida na Terra bilhões de anos atrás, durante o éon Arqueano. Segundo estudo liderado por cientistas da Universidade de Colorado em Boulder, nos Estados Unidos, a atmosfera continha compostos com enxofre associados ao metabolismo e às proteínas das formas de vida que conhecemos hoje.

No éon Arqueano, surgiram os primeiros seres vivos do nosso planeta, os organismos unicelulares, formados por uma única célula. A atmosfera, por sua vez, ainda não tinha moléculas de oxigênio livre. O éon corresponde a mais da metade do período geológico da Terra e terminou há 2,5 bilhões de anos.

O artigo publicado em dezembro na revista PNAS defende que os compostos orgânicos de exofre chegaram até a Terra por meio da chuva ou foram depositado nos oceanos pela atmosfera.

O estudo desafia a visão dominante de que substâncias orgânicas de enxofre se originaram a partir da própria vida que cria um paradoxo: se a existência dos seres vivos requer a presença desses compostos, como a vida poderia ter começado antes deles?

Tal questionamento motivou Eleanor Browne, professora do Departamento de Química da Universidade de Colorado em Boulder e uma das autoras do artigo, a realizar experimentos. No teste descrito pelo artigo, a equipe utilizou uma mistura de gás que representava a atmosfera da Terra primitiva. A mistura, em seguida, foi exposta a uma radiação UV que simulava a mesma emitida pelo Sol.

Os pesquisadores observaram que o resultado era uma névoa de partículas orgânicas. A partir de uma técnica chamada espectrometria de massas, os cientistas mediram e identificaram os diferentes compostos presentes na névoa.

"Nossa pesquisa mostra que há uma maneira de formar essas moléculas sem a vida e sob condições que já teriam se espalhado no início da Terra", ressalta a professora. "Esse achado sugere que há oportunidades animadoras de explorar como a química da atmosfera talvez tenha providenciado moléculas para o início da vida."

O conhecimento de como moléculas orgânicas de enxofre se formaram antes da vida é muito limitada em parte porque o enxofre traz desafios para experimentos. Esse elemento pode contaminar com facilidade equipamentos e precisa estar em minúscula quantidade para simular a atmosfera do Arqueano.

"É necessário utilizar instrumentos no estado-da-arte e você tem que ser muito cuidadoso para evitar contaminação", relata a pesquisadora.

O professor Pedro Fontão, do Departamento de Geografia da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e que não fez parte do artigo, destaca que o trabalho dos pesquisadores foi robusto.

Mas é preciso levar em consideração que o experimento em ambiente controlado e, por isso, não reproduz como um todo as condições da formação. "Na atmosfera, nós temos outros efeitos caóticos que não podem ser previstos em ambiente controlado", afirma.

A composição da atmosfera também foi construída com base no que se sabe até o momento sobre o éon Arqueano, período remoto sobre o qual registros são escassos. Ele avalia que o trabalho "contribui com o avanço da ciência, mas não traz certezas".