Juliano Nery Juliano Nery 1/7/2011

Guaraná de rolha

 

TecnologiaEstá lá em casa, jogado em algum canto, mas tenho como provar, caso seja necessário: sou da turma de 1996 do curso de datilografia do Senac, lá de São Lourenço. Fiz, inclusive, à época, a prova de 180 toques por minuto, que me rendeu a aprovação e o bendito certificado. À época, com meus 15 anos, a datilografia era condição sine qua non para ingressar no mercado de trabalho. Correndo, por fora, no entanto, os computadores já faziam parte do imaginário do brasileiro.

Timidamente, ali pelo início da década de 1990, eles foram conquistando seu espaço, até que, na segunda metade do mesmo decênio, já eram o hit do momento. À época, eu não tinha uma leitura crítica quanto ao futuro e o "por vir". Sequer poderia imaginar a revolução digital e, menos ainda, a aposentadoria das máquinas de escrever, que me fizeram, já em 1997, realizar meus primeiros cursos na plataforma Windows... E para quem acha que isso é papo de gente antiga, do tempo de guaraná de rolha, ledo engano. Isso faz só uns 15 anos. Fica a pergunta: será que eu "curti"?

Gente que está ali pelos 30, como é o meu caso, apanhou nesta última década e meia. Foram severas mudanças no mundo do trabalho, nas relações sociais e afetivas, nas formas de interação com os meios de comunicação... Para alguém que nasceu estimulado pela TV, "compartilhar" informações ou dar uma "cutucada" no Facebook é algo que leva certo tempo para ser comum e confortável. A interatividade experimentada mais tarde foi apenas o começo das novidades. A tecnologia avança a passos largos demais para quem teve um início, digamos, mais lento de quem está vindo agora. E, mesmo assim, estamos aí para comprar os novos smartphones, tablets e o que pintar de novidade. Mesmo que o cérebro demore para processar tanta interface e informação.

Talvez alguém possa alegar que eu esteja fazendo drama, que tem gente que sofreu muito mais o impacto, como a turma que já passa dos 50 anos. A esses farei uma ressalva até certo ponto polêmica. Acho que nem tanto, porque uma parte considerável não quis criar seus perfis nas redes sociais e sequer manejam e interagem no mundo virtual. É o caso dos meus pais, por exemplo, que continuaram o seu percurso profissional e de vida sem passar pela rota da realidade virtual. Existe, logicamente, uma parcela considerável de profissionais que precisaram aderir à nova "vibe" do momento. Mas, para esses, acho que minhas angústias dos parágrafos anteriores já servem de alento e podem contemplá-los.

Duas coisas me preocupam neste processo. A primeira é que a tecnologia evolui muito rapidamente e não me considero capaz de absorver tanta coisa. Principalmente, no que diz respeito às redes sociais. Não sei se quero que fiquem sabendo tanta coisa da minha vida e nem do que fiz nas noites de sábado. O segundo motivo deve existir também, mas meu espaço está acabando e eu coloquei isso porque as pessoas importantes costumam sempre enumerar pelo menos dois motivos para mostrar que sabem do que estão falando.

E, para acabar a conversa, ganhei do amigo Homero Nogueira uma máquina de escrever Studio 210, da Olivetti. Com alguns reparos, ela já está em pleno funcionamento na mesa lá de casa. Não vou abandonar os computadores, tablets, laptops e smartphones. Mas acho que ela pode ser o "link" entre a vida pregressa, antes dos 15 anos e agora, com 30.

Juliano Nery vai compartilhar esta coluna em suas redes sociais, com a esperança de que alguém possa curtir o texto e até mesmo comentar. Ou retuitar.



Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.