Paulo César Paulo César 19/12/2011


Almodóvar transforma o bizarro em obra de arte em A Pele que Habito

Não é difícil reconhecer um filme de Pedro Almodóvar em apenas dez minutos de exibição. A cada sequência em que a trama se desenrola, é possível captar todos os elementos que compõem seu cinema. Desde os enredos surreais e complexos aos desfechos sublimes e arrebatantes, se tornou mais que um diretor conceituado, se tornou um estilo. E mesmo sob uma premissa que colocava em xeque toda sua cancha como realizador, conduz de forma apreensiva e obscura uma história que parece ter saído dos bons tempos do terror "B" das décadas de 70/80 e realiza uma obra digna de um nome de peso que é.

Há de se combinar que a história é um tanto repugnante quando se toma conhecimento. Baseado no texto de Thiery Jonquet, Antônio Banderas é o Dr. Robert Ledgard, cirurgião plástico e cientista que sofre com a perda da esposa, morta após um acidente de carro, e de sua filha que se suicidou. Para suprir esse vazio, trabalha em um experimento que promete revolucionar o mundo da cirurgia plástica. Para isso, mantém em cárcere Vera (Elena Anaya), que se submete aos experimentos de Ledgard esperando ser libertada após o término dos testes.

Pela sinopse, o roteiro parece não fazer sentido algum. Mas, aos poucos, Almodóvar vai desatando os nós que travam o raciocínio do público para contar ao seu modo como tudo se desenvolveu até chegar ao ponto de partida. Seus personagens ficam à mercê da imaginação e das suposições do expectador sem que esse consiga capturar o fio que liga todos os pontos. Para que seu clima de tensão premeditada segure a atenção, o diretor manipula a sensualidade e o voyeurismo, com doses limitadas de ação em meio a labirintos de cores berrantes e trevas se contrastando.

A questão de discussão da condição humana, comum em seus personagens incomuns, vem à tona assim que ficam claros os motivos que levaram cada um agirem. Sua montagem, incomparável, coloca as cartas na mesa no momento certo para que os fins justifiquem os meios. A ética vira um pano de fundo para o diretor analisar de forma crua os fatores que levam cada um a tomar decisões certas ou erradas. Como alguns podem achar, o diretor não abandonou em momento algum seu modo de contar suas histórias, apenas direcionou o foco para o centro de todos os acontecimentos. Ao contrário de obras como Kika, Fale com Ela e sua obra-prima Tudo Sobre Minha Mãe, em que a ação principal de toda a história só nos serve como uma referência.

Na retomada de sua antiga parceria com Banderas, ele revive também a virilidade em tratar as relações mais íntimas como amor, ódio e vingança, de uma forma mais terna e complexa, quanto nos tempos de Ata-me. O ator não chega a ser convincente como o obsessivo Dr. Ledgard, mas não compromete. Já Elena Anaya mostra incrível desembaraço, mesmo quando as sequências lhe colocavam em situações constrangedoras de estupro e sodomia.

Dizer que Almodóvar tentou apenas fazer um Frankstein moderno e ter se inspirado no "trash" Encaixotando Helena de Jenniffer Lynch não chega a ser um absurdo. Mas seu texto é tão esplêndido quanto a megalomania do cientista maluco de Mary Shelley, e arquitetado com muito mais primazia que o filminho "C" da filinha de David Lynch. É material bruto e sem forma, transformado em obra de arte por um mestre.

Mais críticas

Paulo César da Silva é estudante de Jornalismo e autodidata em Cinema.
Escreveu e dirigiu um curta-metragem em 2010, Nicotina 2mg.

ACESSA.com - Almod?var transforma o bizarro em obra de arte em A Pele que Habito