Juiz-forana busca o despertar da consciência por meio do som A pianista e compositora Maria Alice Mendonça trabalha, além de concertos de música clássica, os sons de forma intuitiva, por meio de uma realidade multidimensional

Aline Furtado
Repórter
25/6/2011

Quando começou a tocar piano, após ser matriculada por sua mãe, juntamente com seus irmãos, em uma escola de música, a pianista e compositora Maria Alice de Mendonça sequer imaginava que traçaria uma trajetória que ultrapassaria as formas clássicas da arte. "Aos sete anos de idade, tive uma espécie de visão, na qual eu aparecia tocando piano para o mundo todo, mas não conseguia entender e ter noção do que era aquilo."

Doutora em Piano Performance pela University of California (UCLA), em Los Angeles, Maria Alice aperfeiçoou seus estudos em alta interpretação pianística no Brasil e no exterior, tendo morado por seis anos nos Estados Unidos. "Não queria ter uma relação com a música em que ela não passasse dentro de mim. Tive uma vida de muito estudo e alcancei um nível interessante na minha carreira. Contudo, não bastava ser considerada uma excelente pianista, precisava fazer aquilo e trabalhar a música de forma voltada para o espiritual e para o artístico."

Diante da necessidade, a artista busca dosar concertos clássicos tradicionais com um modo de transcender a musicalidade, perseguindo, assim, uma realidade multidimensional. "Vivemos em um mundo onde dizem serem possíveis três dimensões. Contudo, sabemos que existem outras, as quais interferem, de forma significativa e simultânea, em nossas manifestações." Diante deste quadro, ela conta que, ao conceber um espetáculo, nem todo o roteiro é definido, já que a música pode ser criada durante a apresentação, de forma intuitiva, com interferência clara de outras dimensões.

Foi assim durante alguns espetáculos apresentados por Maria Alice, juntamente com outros artistas com diferentes formas de expressão. Um exemplo é A Arte do Silêncio (ver trecho no vídeo acima), um concerto multidimensional, apresentado em 2009, que aborda a criação da arte e a origem da linguagem musical ocidental. O espetáculo contou com a participação dos artistas Silvana Marques, Marcus Amaral e Luis Leite.

Musicosofia

Ao expressar sua arte, Maria Alice busca, ainda, o despertar da consciência por meio do som, fato que estaria ligado ao espiritual. De acordo com ela, a intenção é ir além da musicoterapia, que utiliza os padrões musicais na área da psicologia. "A musicosofia vai além do aspecto psicológico, trabalhando além do conhecimento das estruturas musicais, buscando, portanto, a música como interferência nos corpos físicos."

Para ela, o processo permite alcançar o âmago da sabedoria, indo além do que está exposto, o que pode ser alcançado por meio da análise da frequência energética do som. "Infelizmente as pessoas escutam, mas sabem ouvir. Isso porque a audição acaba por selecionar aquilo que é familiar aos ouvidos de quem recebe a informação." Diante disso, Maria Alice defende que é necessário, para atingir a sabedoria por meio do som, que o diálogo mental seja cessado.

CDs "gêmeos"

Em 2003, a artista começou a trabalhar em dois CDs de música multidimensional, com composições próprias, intitulados Metamorphosis e Transcendental. "Naquela época, já queria sair do universo projetado da mente e tocava músicas que surgiam ali, na hora. Com isso, descobri que era livre dos padrões mentais. Passava, então, a me conectar com outras fontes sonoras e as coisas fluíam. Depois de todo o processo, precisava lançar um produto que comprovasse esta experiência, foi assim que nasceram os dois CDs."

Segundo Maria Alice, atingir este patamar de essência, sabedoria e criatividade é possível a qualquer pessoa. "Somos soberanos de nossas ideias. É possível ir além do externo e seu bombardeio de informações e modelos. Basta desapegar de estruturas e ter controle sobre nosso poder."

Oportunidades e público

Questionada a respeito da música clássica no país, a artista aponta que, atualmente, as facilidades são maiores. "Há dez anos, era tudo mais difícil. Hoje, o Brasil mudou, assim como o mundo. É possível, sim, ter uma formação musical muito boa no nosso país. Sou exemplo disso, comecei aqui e construí toda a minha base aqui. Mas, para isso, é importante que haja uma busca interior de cada interessado."

Apresentação Maria Alice de Mendonça Apresentação Maria Alice de Mendonça

Entretanto, ela lembra que honras, respeito e oportunidades financeiras são maiores no exterior, em comparação com o Brasil. "Fato é que eu acabei me surpreendendo quando voltei a morar no Brasil, em 2008. As pessoas estão buscando mais, ainda que alguns elementos, como os meios de comunicação, tentem moldar sempre." Falando especificamente de Juiz de Fora, a artista destaca que a cidade vem crescendo quando se fala em oportunidades musicais voltadas para o clássico. "Isso me deixa muito feliz. Aliás, por isso estou aqui até hoje."

Reconhecimento

Maria Alice venceu, em 2003, o Grammy, conferido pela Academy of Recording Arts & Sciences. Entre os prêmios nacionais da artista estão o primeiro lugar no Concurso Nacional de Araçatuba e o segundo no Concurso Nacional de Ribeirão Preto. Foi destaque na Badia di Cava Music Festival, realizado na Itália, em 1997; e no Festival Internacional de Música de Villaller, que ocorreu na Espanha, também em 1997. Na Itália, recebeu, no mesmo ano, prêmio pela Accademia Musicale Jacopo Napoli.

Forum musical

Com o intuito de repensar o papel da música no século XXI, unindo conhecimento científico, o pensar objetivo, inteligência abstrata e as várias manifestações artísticas, Maria Alice promove, um domingo a cada mês, o Forum Musical, que aborda arte e música. Os encontros ocorrem no terceiro domingo do mês e é aberto a atores, artistas plásticos, cientistas, físicos e músicos.

Os textos são revisados por Thaísa Hosken