Aline Maia Aline Maia 2/09/2014

Discutir e agir: a situação da população negra em pauta

Manifestações e debates sobre o genocídio da juventude negra marcaram o mês de agosto em todo o país. Em Juiz de Fora, ciclo de palestras e atividades culturais pontuou a discussão

palestraCem a cada 1.000 jovens com idade entre 19 e 26 anos morreram de forma violenta no Brasil em 2012. A informação é do Mapa da Violência 2014, divulgado em julho deste ano e que considera morte violenta a resultante de homicídios, suicídios ou acidentes de transporte. De acordo com o estudo, entre 2002 e 2012, o número total de homicídios registrados pelo Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, passou de 49.695 para 56.337. Os jovens foram as vítimas em 53,4% dos casos.

Ainda conforme o levantamento, a vitimização de negros é bem maior que a de brancos. Morreram proporcionalmente 146,5% mais negros do que brancos no Brasil em 2012. Assim, temos o jovem, homem e negro como o perfil dos que mais morrem de forma violenta no país. Tal diagnóstico embasa e motiva os movimentos que marcaram o mês de agosto. Em todo o território nacional, milhares de manifestantes foram às ruas em protesto para denunciar um processo de extermínio contra a população negra. A 2ª Marcha Internacional Contra o Genocídio do Povo Negro, realizada no dia 22 de agosto, foi pautada pelo ato "Reaja ou será morto (a)". Originada na Bahia, a campanha promove ações anuais, desde 2006, quando um rapper foi executado por grupos de extermínio. A partir de então, a mobilização ganhou outros estados.

Juiz de Fora também se uniu aos movimentos que visam dar visibilidade às situações de violência e fortalecer a luta por políticas públicas para a população negra. Na cidade mineira, o mês de agosto foi pautado por um ciclo de debates e atividades culturais com a finalidade de discutir a realidade dos cidadãos negros. Organizado pelo Coletivo Vozes da Rua, o evento batizado de Agosto Negro envolveu cerca de mil pessoas em uma programação que contou com mesas-redondas e apresentações de hip hop e de break em diferentes bairros, trabalhando o tema "Contra o genocídio da juventude negra: a periferia fala...".

Segundo a professora Giovana de Carvalho Castro, integrante do Coletivo Vozes da Rua e membro da organização, "a questão da mortalidade da juventude negra deixou de ser um debate setorial para se tornar uma questão de saúde pública". A militante graduada em História, que leciona há 16 anos em escolas e faculdades, crê que a Educação tem papel imprescindível na luta para mudar a situação de vitimização da população negra: "Acredito que se faz necessário e urgente repensar nossas ações educacionais (formais e informais) para o reconhecimento do caráter desigual e discriminatório da sociedade brasileira. Luto pela formação de um cidadão brasileiro instrumentalizado e afiado para o reconhecimento desses aspectos e pelo desejo de despertar nas pessoas a percepção de que o bem estar de um não pode ser justificado pela mutilação de muitos", defende. Em entrevista a esta colunista, Giovana Castro fala sobre o evento realizado em Juiz de Fora e avalia a situação da população negra na atualidade. Acompanhe:Abertura do Agosto Negro, na Faculdade Estácio de Sá de Juiz de Fora, no dia 11 de agosto, com participação de estudantes universitários de Jornalismo, Publicidade, Design de Moda, Design Gráfico e Psicologia. Mesa-redonda: Adenilde Petrina (Coletivo Vozes da Rua), Paulo Azarias (Movimento Negro Unificado) e professor Paulo Reis.

- Entre os dias 11 e 29 de agosto foram realizados nove encontros na programação do Agosto Negro, em diferentes bairros de Juiz de Fora, com debates e apresentações culturais. É possível destacar um ponto alto do evento?

É difícil eleger um momento. Creio que a abertura na Faculdade Estácio de Sá tenha sido um marco na história do evento, tanto pelo público atingido quanto pelo fato da discussão ter chegado até um espaço inovador. As discussões nos bairros são sempre surpreendentes pelos relatos e percepções de protagonistas que têm sua voz ouvida e sua visibilidade positivada.

- Qual a pertinência do debate sobre o genocídio da juventude negra, seja para a militância, seja para a sociedade como um todo?

A questão da mortalidade da juventude negra deixou de ser um debate setorial para se tornar uma questão de saúde pública. Seguidamente, os dados noticiados apontam uma estatística cada vez mais nítida de que, proporcionalmente, morrem mais jovens negros do que jovens brancos no país, principalmente por homicídios. De forma mais intensa, a discussão passou a se tornar mais visível a partir de 2007, quando o Fórum Nacional da Juventude Negra - FONAJUNE - lançou a campanha nacional "Contra o Genocídio da Juventude Negra". A partir de então foi inserido nas pautas de discussão do Executivo, a partir das ações da SEPPIR (Secretaria de Políticas de Igualdade Racial – SEPPIR).

Juiz de Fora se insere, lamentavelmente, nas estatísticas nacionais e, infelizmente, o senso comum insiste na criminalização das vítimas, levando o cidadão a defender políticas emergenciais e paliativos, como a redução da maioridade penal, para um problema que possui raízes muito mais profundas. Por isso a necessidade da discussão, não só como denúncia, mas também como forma de reconstruir os passos da construção desse modelo histórico excludente.

- Seria possível apontar, hoje, o principal algoz da população negra?

Nós mesmos enquanto sociedade civil. Discutir juventude negra envolve a discussão de temas polêmicos para a sociedade brasileira. O mito da democracia racial no Brasil instalou no imaginário brasileiro que discutir raça é "indelicado" e desnecessário já que somos um país de mestiços. Isso permitiu um silenciamento sobre práticas racistas transformando o racismo em um problema de negros "inconformados" que veem racismo em tudo. Esse imaginário coletivo infiltrou-se nas instituições consolidando o racismo institucional que está nos agentes de segurança pública, nas instituições privadas e públicas, na percepção do cidadão brasileiro em geral que vê o jovem negro como potencialmente marginal e responde a ele a partir dessa avaliação. Discutir racismo não é um problema apenas de negros, mas de toda sociedade brasileira. Mas isso implica repensar o conforto da 'branquitude'.

- Como combater o genocídio da juventude negra e pobre?

Com ações que coloquem em xeque o racismo à brasileira. Começando pela aplicação da Lei 10.639 que coloca na formação educacional desde as séries iniciais até a formação superior o ensino de história africana e afro-brasileira; implementando políticas públicas eficazes para ascensão econômica e social da população negra; ampliando a visibilidade do sujeito negro na mídia e na constituição do imaginário coletivo, estabelecendo novos parâmetros para a discussão através da superação do mito da democracia racial em todas as instâncias.

- Na sua opinião, temos, hoje, concretamente, políticas públicas eficazes para cuidar da nossa juventude? Por quê?

Não. A questão social no Brasil historicamente sempre foi caso de polícia e assim mantém-se. Temos ações isoladas, fruto do desejo e da luta de pessoas que se indignam com o estado das coisas, mas estamos longe de políticas públicas organizadas que passem do debate.

- Qual o papel da Educação e dos educadores no processo de valorização cidadã, independente de raça, classe social e idade?

Educadores, em todas as instâncias, têm de assumir seu papel de formadores de cidadãos, na defesa de uma Educação que preze pelo combate de TODAS as práticas excludentes e discriminatórias. Negar-se a discussão, silenciar e omitir-se é contribuir para a manutenção da harmonia artificial. Não se fala de raça apenas quando se tem alunos negros, não se fala de gênero apenas quando se tem alunos com orientações sexuais diversas, não se fala de violência apenas quando estou cercado por ela. Fazer um recorte de um microcosmo "perfeito" e usá-lo como universo definidor de suas práticas pedagógicas é enfiar a cabeça na areia e furtar-se do reconhecimento do papel político do professor.


Aline Maia é jornalista e professora universitária. Doutoranda em Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Tem experiência em internet, rádio e TV. Interessa-se por pesquisas sobre mídia, juventude e cidadania. Atuante em movimentos populares e religiosos

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