Jussara Hadadd Jussara Hadadd 17/6/2011

O paradoxo da novidade


Um casal e uma pessoaVocê está preso e acredita que só pode viver dentro dos padrões e dos conceitos enraizados em sua mente a partir e até quando sua personalidade foi formada, até quando sua linha de pensamento foi formatada pelas pessoas e pelos meios que influenciaram sua vida e a maneira como deveria viver, dentro dos limites do certo e do errado, contextualizando a sociedade e você dentro dela.

Você caiu em uma armadilha e agora não consegue se libertar. Você nem ao menos sabe que precisa se libertar. Todo mundo diz que você poderia mudar nisto ou naquilo, para ser visto como alguém menos polêmico ou menos chato, mas você não enxerga o caminho para a mudança. Formou seus conceitos, plantou seus valores e só sabe viver dentro deles.

Um exemplo: muitos homens acreditam que em muito pouco tempo de casamento o interesse sexual por suas mulheres deve acabar e que eles, porque são homens e não podem mais ficar apaixonados por elas, precisam e têm direito a novos estímulos. Ele precisa descobrir e realçar todos os defeitos de sua mulher e justificar este seu comportamento. É assim que deve ser, foi assim que ele aprendeu a exercer sua masculinidade.

Nas relações íntimas, entre os casais, um ensejo muito forte para a traição é a necessidade do novo. É a premência em encontrar novos estímulos e driblar a rotina que, dentre os fatores que nos levam a não suportá-la, está o fato de não conseguirmos trabalhar firmes e retos em um propósito. Neste caso, no propósito de manter viva a paixão e fazer do sexo na relação estável um alicerce forte para a manutenção da vida do casal. Neste caso, ainda, em não conseguir acreditar que o sexo feito com amor e vindo de um desejo espontâneo pode ser tão prazeroso, melhor dizendo, muito mais prazeroso que o sexo feito através dos artifícios criados para que ele aconteça. Que o sexo de um casal apaixonado é muito mais explosivo, louco e sem limites que o artificial criado pela indústria sexual, que manipula o ser humano vil, e imediatista, que a era moderna multiplicou na face da terra.

O ser humano é chegado à facilidade de mudar em detrimento do trabalho, que possibilita conhecimento e domínio no êxito de uma situação. O ser humano é chegado à ilusão e aos efeitos de falso encantamento que ela propõe. Em uma relação a dois, isto é muito constante porque o orgulho e a vaidade impossibilitam que um ou outro, ou ainda, que os dois vejam no outro um objeto de infinito encantamento, para que a relação seja constantemente apaixonada e supra as necessidades visuais e sensoriais que levam a um encontro quente e que justifique aquela união para sempre.

A falta de humildade impede que as dificuldades e limitações sejam discutidas, avaliadas e melhoradas. A coisa corre solta dentro da omissão ou então traumatizada pela falta de entendimento entre o expoente queixoso e corajoso em expor suas necessidades e o orgulhoso em admitir que pudesse ser melhor. "- Eu, ruim de cama? Só com você, porque com outras pessoas eu arraso." Homens com problema de virilidade, normalmente culpam suas mulheres oficiais. Acusam-nas de descuidadas, de cuidadas demais, de cobradoras, de mães demais, de inteligentes, de limitadas.

Tive um caso no consultório, onde o marido dizia à mulher que não conseguia manter a ereção, somente com ela e por causa dela. Descobrimos juntas que este era um problema absolutamente dele, uma vez que ele não cuidava de sua saúde. Que era muito nervoso, que se alimentava de gorduras e que dormia mal. O fato foi confirmado quando ela me relatou que ele era impotente somente no coito, nas penetrações, e que ele mantinha-se ereto por um longo tempo quando recebia sexo oral dela ou quando ela o masturbava. Ou seja, quando o sexo não exigia dele nenhum movimento de corpo, nenhum esforço físico - ele era um homem sem condicionamento físico. Por muitos anos, ela sentiu-se insegura e as consequências disto, dispensável dizer aqui, não é?

Criar novidades dentro da própria relação pode ser muito interessante e até deve acontecer, mas a maior dica é manter vivo o amor, a admiração e o interesse pelo corpo do outro. Elogiar o outro. Você sabia que existem pessoas que aprendem, em sua criação, com os seus pais, que elogiar alguém pode estragar o seu desenvolvimento e pode fazer dela uma pessoa muito poderosa? Não se deve elogiar os filhos - ouvi isto de uma mãe. Não acreditei no que ela dizia, é obvio, porque conhecia o resultado da criação de seus filhos e não achava nada interessante.

O elogio trabalha a autoestima e o resultado só pode ser positivo. Encantar o outro e criar novidades dentro da relação estável está em se cuidar, em manter-se belo e atraente para o outro. Em não magoar, em não criticar com a intenção de ferir ou em não entender como crítica negativa as observações do outro quando para melhorar. Em não ofender ou em não sentir-se ofendido quando o outro tiver a coragem de solicitar algo que atenda as suas fantasias. Em atender o outro.

Contudo, todo encantamento precisa de alguém que queira e que aceite ser encantado. Costuma acontecer de a pessoa ser tão desencantada com ela mesma que nada nem ninguém conseguem encantá-la. Costuma acontecer de o que trai, o que fere, o que magoa, o que despreza, ser o grande problema da relação. É como se ele usasse uma arma para tentar destruir alguém que não precisa de arma alguma para viver. Uma arma para tentar matar quem o mata, simplesmente pela sua pura capacidade em ser feliz.

Há de se falar aqui, ainda, da aceitação. Aceitação não é, nem de longe, conformação. Ninguém é obrigado a suportar alguém que não se cuida para estar bem. Mas aceitar alguém com suas limitações é lindo, discursivamente então, é maravilhoso, entretanto, é necessário que o que precisa ser aceito seja alguém, no mínimo, humilde. Vocês já ouviram colocação mais ridícula que esta? No começo tudo é paixão, depois fica só aquele amor... Isto é jargão de gente preguiçosa, negligente e incapaz de trabalhar para que a relação seja sempre apaixonada. Afinal, abrir mão, jogar no lixo e buscar a novidade que estimula é muito mais simples e, hoje em dia, dinheiro resolve isso fácil.

Este é um fato muito frequente entre os homens – embora muitas mulheres estejam lançando mão deste recurso também -, que para manterem seus casamentos, buscam em outras mulheres a novidade como alento ou até mesmo como constatação de sua virilidade perante o novo. Ora, ora, quem não se encanta perante o novo? Mas o novo sempre ganhará tempo e, como tudo que é pratico, é efêmero e passará a vez para outra novidade, que, ilusoriamente, manterá vivo o ser volúvel e leviano e matará aos poucos e para sempre o verdadeiro objeto de sua felicidade, que poderia ser o amor.

Trabalhar pela relação, como em tudo na vida, ainda pode ser o melhor caminho. Tentando traduzir: ser feliz dá trabalho. Exige rega, exige arado, exige poda. Armadilha conceitual: acreditar infinitamente que pode melhorar alguém ou uma relação através do amor, acreditar sempre no amor como caminho para a mudança.

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Jussara Hadadd é filósofa e terapeuta sexual feminina
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