Fernando Perlatto 15/9/2012

Democracia, financiamento de campanhas e publicidade

artigoOs últimos anos têm testemunhado o processo de consolidação da democracia representativa no Brasil. Ao fortalecimento das instituições, ritos e rotinas democráticas asseguradas pela Constituição de 1988 – que logrou conferir regularidade e previsibilidade ao sistema político –, bem como à aceitação das regras do jogo pelos atores políticos e pela sociedade civil, veio se somar uma série de inovações, como a implantação da urna eletrônica, que têm garantido a segurança e a celeridade ao processo eleitoral. A Lei da Ficha Limpa, aprovada recentemente, pode ser compreendida como mais um passo nessa caminhada de solidificação da democracia no país, na medida em que contribui decisivamente para tornar o sistema mais robusto e menos aberto às práticas danosas que colocam em risco o processo político de forma geral. Inclusive, é possível que vejamos a proposição e aprovação desta lei como exemplar de um processo de mais longo prazo caracterizado pela conscientização da sociedade civil que, apropriando-se de elementos contidos na Carta de 1988 – como a lei que possibilita a formulação de projetos de iniciativa popular –, passa a pressionar as instituições políticas no sentido de fortalecer as instituições democráticas no país.

Não obstante esses avanços que tiveram curso nos últimos anos, um aspecto ainda permanece central a obstar o avanço da democracia no país: a forma como se dá o processo de financiamento das campanhas eleitorais, com todas as consequências daí advindas. Fazer campanha no Brasil, seja para cargos majoritários, seja para as câmaras municipais, é caríssimo, fazendo com que os candidatos despendam enormes recursos para conseguirem se eleger. De acordo com o jornal O Estado de São Paulo, uma campanha para uma das 55 cadeiras da Câmara Municipal de São Paulo pode custar até R$ 8 milhões. Já a Folha de São Paulo mostra que, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os candidatos das 26 capitais já arrecadaram cerca de R$ 120,5 milhões para cobrir gastos de campanha. Em Juiz de Fora, de acordo com a Tribuna de Minas, os três candidatos à frente da pesquisa – Margarida Salomão, Bruno Siqueira e Custódio Matos – arrecadaram em julho e agosto mais de R$ 1,5 milhão de reais. O atual prefeito já gastou o dobro de sua campanha em 2008 e arrecadou mais recursos do que o valor somado de Margarida e Bruno.

Este breve quadro, resume o quanto é dispendioso fazer campanha política no Brasil. Em muitos casos, o financiamento vem do próprio bolso. Mas, isso é raro. Na maior parte dos casos, além da verba que os postulantes aos cargos têm direito provenientes do fundo partidário, os recursos são obtidos junto a outros segmentos – em geral, o empresariado – que, por diversas razões, desejam ajudar a elegê-los. Não é segredo nenhum que um empresário ao doar para uma campanha política não o faz a troco de nada. Obviamente, ele tem seus interesses por trás do "investimento". Não importa qual é teor desses interesses. O que é relevante neste processo é a dependência que estes recursos criam entre doador e receptor. Não se está a dizer que necessariamente haverá corrupção após a eleição, mas sim que este processo, da forma como ocorre, pavimenta o caminho para práticas associadas à corrupção. O favorecimento ao doador pode não se dar de forma direta no período pós-eleitoral, mediante a concessão de licitações, por exemplo, mas ocorre muitas vezes através de benefícios indiretos, como informações privilegiadas e acesso facilitado aos membros do Executivo e do Legislativo.

Candidatos que desejam fazer campanha sem recorrer a este tipo de recurso ficam de mãos e pés atados. Tomemos como exemplo o caso do Rio de Janeiro. Segundo o jornal O Globo, caso fosse possível reunir os recursos que todos os adversários do prefeito da cidade, Eduardo Paes, arrecadaram nos últimos dois meses, o valor não superaria ao das despesas da campanha do postulante à reeleição. Paes angariou, conforme o TSE, R$ 300 mil a mais do que o valor arrecadado por todos os demais concorrentes. Marcelo Freixo, candidato em segundo lugar nas pesquisas eleitorais, declarou no início da campanha que seria contrário à arrecadação de recursos de empresários, decisão que vem seguindo à risca. Como decorrência disso, sua campanha se baseia em doações de pessoas físicas e em recursos provenientes de atividades, como o show Primavera Carioca, recentemente organizado por Caetano Veloso. O valor arrecadado com essas atividades, contudo, não chega nem perto do valor angariado por Paes. Esse cenário evidencia as dificuldades enfrentadas por uma proposta que tenta escapar do esquema viciado de financiamento de campanhas políticas.

O elemento mais danoso desse caríssimo e potencialmente corrupto modelo de financiamento de campanhas refere-se ao fato de que, de acordo com o TSE, mais de 65% da arrecadação para as campanhas eleitorais tiveram sua origem em doações ocultas. Isso só é possível pelo fato de que, de acordo com a legislação atual, empresas e pessoas físicas podem destinar recursos aos partidos, sem que sejam identificados, o que ocorreria caso doassem o dinheiro para os candidatos. Consequentemente, este tem sido o principal subterfúgio utilizado pelos doadores que não desejam, por razões diversas, verem seus nomes associados aos candidatos.

Feita a análise, a pergunta que vem à tona é a seguinte: como romper com esse modelo de financiamento que, além de abrir todas as brechas possíveis para a corrupção, coloca os candidatos em condições completamente desiguais na busca pelos votos? No curto prazo, faz-se necessária uma maior publicização do processo de financiamento das campanhas, de modo que os doadores sejam identificados logo após repassarem os recursos aos candidatos. Além de assegurar maior transparência ao processo, essa medida garante ao eleitor o conhecimento dos vínculos e conexões que seu candidato possui, possibilitando, dessa forma, um maior controle do seu mandato findo o processo eleitoral. No longo prazo, é fundamental que a sociedade brasileira enfrente seriamente o debate sobre o financiamento público exclusivo de campanha. Com todos os problemas e resistências que este tipo de financiamento enfrenta, ele se configura como um modelo superior ao modelo atual, ao proporcionar, por um lado, uma maior igualdade entre os concorrentes aos cargos eletivos, e, por outro, uma maior publicização das campanhas eleitorais, contribuindo para romper com as dependências entre doadores e políticos, que se constitui como um dos principais empecilhos para o aprofundamento da democracia no país.


Fernando Perlatto e doutorando no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ) e pesquisador visitante no Institute for Public Knowledge da New York University. Foi Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (2010-2012).

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