Fernando Agra Fernando Agra 14/03/2008


Cartão de crédito: mocinho ou vilão?

Atualmente existe uma oferta excessiva de cartões de crédito no Brasil. Um dos motivos que contribuiu para isso foi o controle da inflação pós 1994. Há brasileiros que possuem mais de uma bandeira de cartão e aí questiono: como você tem utilizado seu cartão de crédito? Ele tem sido um mocinho que te auxilia ou um vilão que tira seu sono cotidianamente?

Há pouco mais de uma década não havia tanta facilidade para se obter um cartão de crédito. As exigências eram muitas e possuir um cartão era até sinônimo de status. Atualmente, as coisas mudaram bastante e cotidianamente nos são oferecidos vários tipos de cartões de crédito. Tem administradoras e bancos que enviam para as nossas residências sem mesmo nos consultar previamente se queremos ou não o cartão. Bem como ampliam os limites dos cartões que já possuímos sem saber se queremos ou não.

Pois é! Como as coisas mudam! E é aí que nós devemos desconfiar, pois ninguém oferece nada gratuito para alguém e ainda mais se os "benefícios" vierem de bancos e de administradoras de cartões. Aí é que o consumidor deve desconfiar mesmo. Pois se há tanta oferta de cartões no mercado é porque o setor financeiro ganha muito dinheiro com isso, sobretudo por conta dos juros altos.

Acabo de conferir uma fatura de cartão de crédito de uma determinada empresa e fiquei mais assustado ainda quando observei que serão cobrados 15,99% de juros referentes aos encargos para o próximo período que incidirão na diferença entre o valor total da fatura e o que realmente for pago. Isso equivale a 492,99% ao ano. Está aí uma das explicações que justificam os exorbitantes lucros daqueles bancos que possuem ligações com administradoras de cartões de crédito.

Seja em épocas positivas, bem como em épocas de crise, o setor financeiro no Brasil sempre leva vantagem. Ao optar por manter a SELIC em 11,25% ao ano, os formuladores de política monetária contribuem e muito para favorecer os ganhos de quem empresta dinheiro: seja banco, financeiras e demais agiotas. Por que será que isso acontece? Será que o setor público, que deve governar em favor da nação, atende a interesses do sistema financeiro?

Para se ter uma idéia de quão é vantajoso emprestar dinheiro no Brasil (que possui a taxa de juros real mais alta do mundo), basta verificar a evolução da apreciação cambial nos últimos anos. Um dos fatores que contribuiu para a queda do Dólar em relação ao Real foi a elevada taxa de juros interna que atraiu especuladores do mundo todo para vir lucrar facilmente e quase sem riscos aqui no Brasil. Com juros altos, o ingresso de dólares na nossa economia aumentou consideravelmente e de acordo com a Lei da Oferta e da Procura, esse excesso de dólares tem feito a sua cotação cair cada vez mais. Essa queda só não é maior, devido às intervenções do Banco Central para comprar dólares no mercado.

Vista toda essa situação macroeconômica, surge uma questão: como a mesma pode afetar você, caro leitor, microeconomicamente? Pode afetar, sobretudo, aquelas pessoas que acreditam que o cartão de crédito faz parte da sua renda disponível e gasta sem qualquer planejamento. Quando a fatura chega em casa e o mesmo não consegue pagá-la na íntegra, torna-se refém dos juros altos e pode ingressar numa "bola de neve" difícil e dolorosa de sair no curto prazo. Já escrevi em artigos anteriores que cartão de crédito é uma "arma branca" nas mãos de quem não tem disciplina financeira e cede facilmente aos apelos consumistas de pagar em várias vezes, na ilusão de que não existem juros.

Quando uma propaganda diz que o preço à vista é de R$ 100 ou a prazo será de dez parcelas de R$ 10 sem juros, pode-se afirmar que o empresário sacrifica o preço à vista, ou seja, deixa de conceder um desconto para quem pode pagar à vista, em favor de vender a prazo e ganhar nos juros embutidos. Você emprestaria seu dinheiro, para estranhos, em dez vezes sem juros? Será que os cartões de créditos são tão bonzinhos assim?

Foto de vários cartões de crédito sobre uma mesa Vender dinheiro virou um negócio tão lucrativo no Brasil, que grandes lojas abriram financeiras dentro de seus próprios estabelecimentos comerciais. É mais lucrativo do que vender mercadorias. E é aí que o consumidor tem que tomar muito cuidado: cartão de crédito é uma concessão (um tipo de empréstimo, assim como o cheque especial) que nos é fornecido. Jamais devemos ter em mente que o mesmo faz parte do nosso orçamento. O cartão de crédito pode ser muito útil, se bem utilizado. Pois concentra pagamentos numa data, alguns concedem benefícios como o acúmulo de milhas para posterior troca por passagens aéreas, e sobretudo quando a necessidade de se comprar um produto estar presente e o consumidor não tem dinheiro.

E tem mais, quando você, prezado leitor, realizar uma compra no cartão e que somente pagará no mês seguinte, vá de imediato no seu orçamento planejado e contabilize o valor da compra, de tal modo que suas receitas futuras não fiquem comprometidas. E eu ainda vou além: mesmo que você pague sua fatura em dia, alguns cuidados são necessários.

Conheço pessoas que gastam o salário antes de receber e quando chega o dia do pagamento, o mesmo é todo comprometido em pagar o cartão de crédito. Essas pessoas pagam a fatura total e em dia, mas ficam sem dinheiro e novamente voltam a comprar no cartão. Tais também são reféns, pois caso aconteça um imprevisto e as mesmas não consigam honrar seus pagamentos em dia, cairão, com certeza, na armadilha dos juros altos destacados no início deste artigo. E agora, com IOF mais elevado, qualquer tipo de financiamento ficou com custos mais altos e aí entra o rotativo do cartão de crédito.

Enfim, caro leitor, faça de seu cartão de crédito um mocinho que será muito útil para atender suas necessidades e desejos. Evite tornar o mesmo em um vilão, pois se sua situação financeira fica descontrolada, todas as outras áreas de sua vida ficarão. Utilize racionalmente seu cartão de crédito!


Fernando Antônio Agra Santos é Economista pela UFAL (Universidade Federal de Alagoas), Doutor em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e professor universitário das faculdades Vianna Júnior, Estácio de Sá e Universo e do curso de Formação Gerencial do Instituto Educacional Machado Sobrinho, sendo todas a instituições em Juiz de Fora - MG.

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