Marcelo Michelsohn 27/05/2015

Conexão Pais e Filhos

paisOs filhos são ótimos espelhos para nos conhecermos melhor. Eles nos mostram aqueles lugares escuros que nem gostamos muito de olhar, pois tem a ver com memórias da nossa infância que ainda nos acompanham, nos atrapalham, mas que preferimos deixar quietas lá no inconsciente, pois elas doem e, às vezes, muito. Não estou falando de memórias de situações extremas, mas de memórias do dia a dia, de coisas pelas quais a maioria de nós passou. Estou falando de todas as vezes que buscávamos conexão com nossos pais e cuidadores e recebemos em troca gritos, castigos, tapas, indiferença ou argumentações. Muitas vezes a forma como pedimos essa conexão não estava de acordo com as expectativas dos nossos pais.

Como éramos crianças, a forma que tínhamos para pedir conexão ou para avisar que estávamos tristes, com medo ou com raiva era fazermos coisas que eles consideravam erradas. Não fazíamos isso de propósito. Na verdade, nem sabíamos o que estávamos fazendo. Era inconsciente. Colocávamos o dedo na tomada, deixávamos o copo cheio de suco cair, puxávamos o rabo do gato, fugíamos do banho, jogávamos comida no chão, batíamos no irmão. Por trás de cada uma dessas ações estava um pedido: "Mãe, pai, por favor me ajude. Estou me sentindo sozinho. Preciso de carinho. Estou triste, com medo." E os nossos pais, atarefados, correndo pra lá e pra cá para fazer o melhor pela família, não conseguiam escutar esses pedidos e ao invés de carinho, recebíamos uma bronca, ao invés de um limite amoroso recebíamos um castigo. E toda aquela tristeza dentro de nós, esperando para sair, não só não saia, como aumentava e vinha junto com o medo de apanhar, a raiva de ser pequeno e não ser escutado.

Tudo isso ficou marcado dentro de nós, pois não tivemos a oportunidade de extravasar essas emoções, seja através de um bom choro, ou de uma boa gargalhada. Muitos de nós ouvimos: "Engole o choro", "Menino não chora", "Uma menina tão linda não chora assim" e muitas mais. Passaram muitos anos e viramos pais. Nos esquecemos desses momentos da nossa infância. Aí nossos filhos aparecem e fazem coisas que nos tiram do sério. Muitas vezes parece que essas coisas que nos tiram do sério, não afetam nossas esposas ou maridos. Parece que eles não viram a mesma cena que acabamos de ver. Como pode?!?!? Pode, por que a cena que acabamos de ver fez com que nossas memórias de infância fossem reprocessadas. Nesse reprocessamento, as emoções veem à tona, mas o conteúdo que as causou lá atrás fica escondido. Então temos uma reação muito maior do que a situação atual pede. Nossos cônjuges não têm a mesma reação, pois quando eles eram criança, aquela situação não causou uma reação nos pais deles. Por exemplo: quando eu vejo meus filhos desperdiçarem comida , eu fico louco, mas minha esposa não. Percebi que na casa dos pais dela, eles são muito menos rigorosos com isso.

Então, quando reagimos com fúria a alguma coisa que nossos filhos fizeram, estamos reprocessando memórias da nossa infância e não estamos lidando com a situação atual, não estamos olhando diretamente para os nossos filhos. Há uma névoa entre nós. E, ao invés de darmos o que eles estão pedindo (conexão, carinho, limite para poder extravasar), damos bronca, castigo ou explicações e assim mantemos círculo vicioso pois quando eles crescerem e tiverem os filhos deles, vão reprocessar as emoções da infância deles. Quem vai quebrar esse círculo? Quem tiver coragem de olhar para as próprias emoções. Quando nós entendemos que aquilo que nossos filhos despertam em nós são nossos monstros de infância e que cabe a nós lidarmos com eles, estamos começando uma jornada de libertação. Como eu faço isso hoje em dia? Eu utilizo duas práticas.

1- Parceria de Escuta

Uma forma de extravasarmos emoções estagnadas é entrarmos em contato com essas emoções e deixarmos que elas saiam através de choro, grito e gargalhada. Podemos fazer isso sozinhos, por exemplo, gritando bem alto dentro do nosso carro em um lugar que ninguém vai nos incomodar, ou assistindo um filme bem triste e deixar as lágrimas fluírem soltas. Funciona bem. Mas, se conseguirmos um outro adulto que possa nos ouvir sem julgamento e sem aconselhamento isso funciona melhor. Não estamos acostumados a falar sobre nossas emoções e muito menos demonstrar essas emoções na frente de um outro adulto, mas se conseguirmos fazer encontros semanais de uma hora com a mesma pessoa (um fala por meia hora e depois escuta por meia hora), vamos ganhando confiança e perdendo a vergonha. Aos poucos, durante essas sessões, começamos a falar cada vez menos e chorar cada vez mais. Começamos falando sobre algo que nos irritou muito em nossos filhos e deixamos a emoção nos invadir e ser extravasada. Pode ser que durante o choro, apareçam memórias de infância e isso nos emocione ainda mais. Depois de chorar um bom tempo, é como se uma nuvem carregada fosse se dissipando e conseguimos ver a situação original, com nossos filhos, por outros ângulos, de uma forma muito mais tranquila. E, da próxima vez que a mesma situação ocorrer, é bem provável que aquela raiva que sentimos ontem, não venha hoje.

2- Espelhamento

Outra prática muito boa é espelharmos aquilo que nos irrita no outro. Lembre-se de uma cena que te chateou com seu filho ou filha. Agora julgue ele. Não fique com vergonha de julgar seu filho. É só um exercício. Digamos que você fique irritada quando ele não quer entrar no banho e o julgamento que vem a sua mente é: "como ele é manhoso!". Agora apague a cena do banho da sua cabeça e diga: "Eu sou manhosa". Isso mesmo. Afirme o que você vê no outro para você mesmo. Só nos chateamos com o outro pois temos essa mesma coisa dentro de nós e ele está nos dando a oportunidade de limparmos isso. Então repita: "Sou manhosa" sem se julgar e sem nenhuma conotação moral. Repita quantas vezes for necessário, como um mantra, sem nenhuma carga de valores. O que geralmente acontece, é que essa coisa começa a perder a força e se tornar ridícula. Quando eu faço isso e volto a pensar na situação original que me chateou, já não me sinto chateado e a minha vontade original que era gritar para que ele entrasse no banho logo, mudou para uma vontade de abraça-lo ou de fazer um brincadeira. Cada vez vem uma ação inédita depois que fazemos esse tipo de trabalho. Por isso, não há receita de como se lidar com cada comportamento dos nosso filhos. Mesmo por que o trabalho é sempre em nós.

Ambas práticas necessitam coragem. A primeira, pois vamos entrar em contato com emoções sofridas e precisamos coragem para aguentarmos até que elas sejam extravasadas completamente, lembrando que teremos que fazer isso várias vezes pois são anos e anos de emoções estagnadas. A segunda, pois vamos parar de culpar o outro por tudo e precisaremos coragem para reconhecer que o que nos irrita está dentro de nós.

Na media em que vamos praticando, vamos ganhando velocidade, até que em determinado momento não precisaremos fazer essas práticas depois que a situação com nossos filhos já passou. Conseguiremos fazer a transformação no meio da situação. É incrível, mas depois de um ano utilizando essas práticas quase que diariamente, consigo observar meus filhos fazendo algo que me irrita, sinto a raiva chegando, afirmo que essa irritação é minha, a raiva vai embora e vem um pensamento e uma ação inédita, clara e precisa. Nesse texto chamado Prato Azul eu conto uma história com minha filha na qual coloquei um limite e depois começamos uma brincadeira. Eu não sabia que ia fazer essas duas coisas, elas surgiram pois estava no presente sem ser atrapalhado pelo reprocessamento das minhas memórias de infância.

Acredito que um dos maiores presentes que podemos dar aos nossos filhos é essa experiência deles observarem como temos coragem para lidarmos com nossas emoções e transmutarmos essas emoções ao vivo e a cores na frente deles. Isso tem um efeito duplo: o primeiro e mais óbvio é que ao fazermos isso, nossas ações permitirão que nossos filhos extravasem suas emoções e que não precisem lidar com elas quando forem adultos, o segundo é que eles conseguem perceber a nossa coragem de entrar em contato com nossas emoções e então aprendem que é bom fazer isso, que é bom entrar em contato com a emoção e transmuta-la, que é bom ter coragem.


Marcelo Michelsohn é pai de duas crianças (6 e 4 anos), marido, filho, irmão. Estudou psicologia e depois foi trabalhar com sustentabilidade e facilitação de diálogo entre empresas, ONGs e governo. Em 2013 criou o Conexão Pais e Filhos que além de ser um blog gratuito é também um grupo no facebook para pessoas que querem participar de uma jornada de transformação a partir da relação com os filhos, cônjuges e com os próprio pais.

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