Consumo de crack aumenta em Juiz de Fora Em dez meses, ocorrências registradas e quantidade de crack apreendida pela PM quase triplicaram. No CAPs, 66% dos 700 em tratamento estão por causa da droga   

Pablo Cordeiro
*Colaboração
10/11/2009

O consumo de crack aumenta em Juiz de Fora, seguindo tendência dos grandes centros. Segundo a psicóloga e coordenadora do Centro de Atenção Psicosocial - Álcool e outras Drogas (CAPs-AD), Sônia Maria Netto, das 700 pessoas em tratamento no local, 66% estão lá devido ao vício no crack.

Para a psicóloga, o aumento do consumo da droga é refletido diretamente no crescimento da procura pelo tratamento do SUS, oferecido desde 2007 de forma gratuita no CAPs. "Antes recebíamos uma demanda alta de alcoólatras. Desde o final do ano passado e, principalmente, nos últimos meses, o crack superou todas as outras drogas. Trata-se de um problema de saúde pública que afeta desde adolescentes até pais de família."

O crescimento da utilização da droga também é percebido pelas apreensões e registros de ocorrências da Polícia Militar (PM). Dados fornecidos pelo assessor de comunicação do 27º Batalhão, capitão Paulo Alex Silveira, apontam que as ocorrências relacionadas ao crack nas regiões Norte, Sul, Cidade Alta e 15 municípios do entorno de Juiz de Fora, quase triplicaram, se comparado com o mesmo período do ano passado. Em 2009, foram registradas 420 ocorrências. No ano anterior, foram 164 (confira tabela abaixo).

Segundo dados levantados pela assessora de comunicação do 2º BPM, capitã Kátia Moraes, na região do 2º Batalhão da PM, que compreende as áreas de abrangência das companhias 70ª, 135ª, 30ª, 31ª e 136ª (fracção destacada em São João Nepomuceno), de janeiro a outubro de 2009, foram apreendidos aproximadamente 12 kg da droga, enquanto, em 2008, foram 3,5 kg. Em relação à quantidade de pedras de crack, até outubro deste ano foram apreendidas 1.129. No mesmo período do ano passado, foram 1.307.

A viagem alucinógena e a sensação de prazer imediato, combinadas com o baixo valor de aquisição da droga, comumente encontrada em Juiz de Fora por R$ 5 até R$ 10, são os principais motivos do crescimento de usuários. "A maior parte da droga que chega a Juiz de Fora é para abastecer a cidade e municípios vizinhos. Anos atrás, o crack era exclusivo da classe mais humilde, por ser uma droga barata. Agora, a droga toma lugar na classe média", pontua o delegado do Grupo Tático Operacional (GTO) de Tóxicos e Homicídios de Juiz de Fora, Fernando Camarota.

 

Ocorrências relacionadas com crack durante o período de janeiro a outubro
Período 2008 2009
Janeiro 16 41
Fevereiro 11 46
Março 19 37
Abril 13 30
Maio 22 40
Junho 16 44
Julho 22 41
Agosto 24 56
Setembro 12 44
Outubro 9 41

Fonte: 27º Batalhão da Polícia Militar de Juiz de Fora

A droga

A psicóloga afirma que a principal característica do crack é a rapidez do vício e a forte dependência causada. "Em pouco tempo, a pessoa emagrece, fica anêmica, hipertensa, desenvolve problemas pulmonares e cardíacos, além de perder o interesse sexual e romper os laços afetivos e sociais. Há um comprometimento do quadro clínico geral, podendo, inclusive, causar a morte."

A droga é usualmente utilizada por vias aéreas. Oriunda da pasta base da cocaína, a pedra de crack pode ser queimada ou dissolvida. "Após oito segundos, os efeitos atingem o cérebro e acontece, segundo os próprios usuários, a 'viagem'. Ela também pode ser diluída em água para ser injetada na corrente sanguínea, provocando mais rapidamente os efeitos", explica o gestor municipal de saúde mental, José Eduardo Amorim. "Quando termina a onda, o sujeito fica fissurado e procura mais droga. Você a usa até a hora do prazer, depois você é usado pela droga", destaca.

Tratamento

Segundo Amorim, o CAPs é referência em tratamento no município. Em janeiro ou fevereiro do próximo ano, está prevista a construção de um segundo Centro na região Norte, para suprir demandas das regiões Leste, Nordeste e Norte, desafogando o já existente na Zona Sul. "De acordo com a recomendação do Ministério da Saúde, um CAPs é criado para atender 200 mil habitantes. Como Juiz de Fora tem aproximadamente 520 mil, existe a necessidade deste segundo."

Há três formas de encaminhamento para o CAPs. A primeira é através do Hospital de Pronto Socorro (HPS), que trabalha com a internação de urgência e emergência. Quando é identificada a necessidade de tratamento, o paciente é encaminhado. Outra forma, a mais frequente, é pelo Programa de Saúde da Família (PSF), nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). A terceira opção é através de decisão própria.

"O trabalho é realizado na redução de danos. O usuário não chega ao Centro em abstinência. Nosso trabalho é para ele reduzir o consumo gradativamente, frequentando as terapias e tomando os remédios", explica Sônia. Ela ainda acrescenta que a droga não é exclusiva de apenas pessoas de uma faixa etária específica ou etnia. "Recebemos pessoas das mais variadas idades e de ambos os sexos. Até realizamos o atendimento a adolescentes, embora o CAPs seja direcionado para adultos."

Drama

Fala de um entrevistado"Comecei misturando com cocaína e maconha. Mais rápido do que consegui notar, já estava usando crack diariamente. O poder de vício da droga é arrasador. Acabou comigo, fisicamente, psicologicamente e socialmente", relata João (nome fictício), de 24 anos, que há sete meses está totalmente limpo da droga. Dramas assim são vividos por uma quantidade imensa de juizforanos que, após o "primeiro trago", se encontram em uma sala sem saída.

"Usei crack durante um ano e meio. Fumava com amigos e em pouco tempo estava usando sozinho em casa. O pior é que a viagem da droga é rápida. Enquanto a gente fuma há uma forte sensação de prazer e de relaxamento. Depois que acaba, a sensação se transforma numa paranoia fora do comum. Às vezes, achava que estava sendo perseguido e via vultos ao meu redor", diz João, que chegou a gastar com crack, em apenas uma noite, o salário do mês inteiro.

Durante certo período, João manteve relações com o tráfico e revelou que, para um determinado final de semana, um único distribuidor preparava 600 pedras para vender e no domingo já não tinha mais nenhuma. "O cara ficava sentado em um local e o pessoal vinha comprar a droga. Só isso que ele fazia. Por noite, era comum ele vender cerca de R$ 3 mil. Apenas ele. Imagina em um bairro com dez pessoas vendendo apenas para um traficante?"

João fumava de cinco a dez pedras por noite. "Quando o dinheiro acabava, vendia roupas, tênis, cordões. Até cheguei a roubar coisas em casa para vender. Este é o fundo do poço. Minha família começava desconfiar, mas só quando tomei coragem e falei que foi possível a ajuda." João conta que já havia tentado parar sozinho cerca de cinco ou seis vezes, mas sem êxito. "Sempre que ficava um período de dez a quinze dias sem fumar, a ansiedade vinha com força total. Seu corpo sente mais falta que a mente."

Frase de um entrevistadoEle esteve internado no CAPs por três meses. Após o período, ficou seis meses indo semanalmente para tomar os remédios e frequentar as terapias em grupo ou individuais. "Os três primeiros meses são os piores. O mais importante nesta hora é o apoio da família e a confiança no tratamento, seja no respeito aos remédios ou na crença dos profissionais. No meu caso, a família e a religião foram fundamentais para esta superação", desabafa João.

Uma das dificuldades durante o tratamento, apontada por João, era a vontade que sentia ao tomar qualquer bebida alcoólica, pois, segundo ele, a associação com o crack era quase imediata. A psicóloga do CAPs confirma a estreita relação entre o consumo de crack e o de álcool. "As substâncias da cerveja, por exemplo, provocam, em um primeiro momento, uma sensação de relaxamento, prazer e alegria. Após certa quantidade, vem a fase depressiva. E o crack oferece justamente a sensação para inibir a depressão."

Trabalho preventivo

Os oficiais do 27º Batalhão da PM realizam um trabalho de prevenção ao tráfico com a comunidade, para minimizar a atuação dos traficantes. O projeto foi implantado desde junho deste ano. "Devido à ação pioneira, houve mais aproximação e confiança da população. O resultado é o aumento de operações com êxito”, esclarece o capitão Paulo Alex.

Para Alex, os resultados positivos da ação tendem a ampliar o programa para outras unidades policiais. “Atualmente, a PM não trabalha apenas para a comunidade e, sim, com a comunidade. As políticas de gestão participativa da polícia com a sociedade são a solução para os problemas. Com o aumento da presença policial e do trabalho objetivo, a PM tem conseguido diminuir o medo do crime.”

Segundo a capitã Kátia, a PM também realiza o Programa de Educacional de Resistências às Drogas (Proerd) com os alunos do 5º e 6º ano do ensino fundamental. O objetivo é conscientizar e diminuir a presença das drogas entre os adolescentes. “Existem muitas crianças e adolescentes no tráfico, principalmente na posição de avião. Pela necessidade de dinheiro rápido e pelo fato de a lei isentar a prisão de crianças, este público é muito visado pelos traficantes. Por noite, o avião pode ganhar de R$ 500 a R$ 1.000.”

*Pablo Cordeiro é estudante do 9º período de Comunicação Social da UFJF

Os textos são revisados por Madalena Fernandes