CHEGA DE "DISCURS?O"!

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CHEGA DE "DISCURS?O"!
Ivan Bilheiro 21/10/2014

CHEGA DE "DISCURSÃO"!

Vivemos todos imersos no mundo da comunicação. Apresentam-se a nós, a todo instante, as mais diversas formas de expressão de pontos de vista. No período eleitoral, então, somos quase constantemente interpelados e convidados a absorver alguma mensagem. Mas a exacerbação típica deste período nos chama a atenção para uma questão: estamos prontos para ouvir? Estamos em comunicação, ou só em uma constante falação? Nossa prática é a da troca de ideias; ou só a do despejo de nossas ideias em longos discursos?

Em primeiro lugar, é preciso fazer a diferenciação: por ouvir, quero designar a ação de recepcionar a mensagem que nos é apresentada, refletir sobre ela, deixar-se tocar pelas palavras apresentadas. Em diversas ocasiões, o que acontece não é isso. Muitos não ouvem, só escutam – isto é, só são afetados, mecanicamente, pelos sons emitidos. O mesmo vale para as mensagens escritas: será que estamos realmente lendo, ou somente vendo as mensagens? No impulso de comunicar, tornamo-nos muitas vezes locutores, oradores, prontos a emitir nossa opinião. Mas e quanto à abertura para a fala do outro? E quanto à interlocução?

Em tempos de disputa eleitoral, a questão fica ainda mais clara: de um lado a outro, apresentam-se os narcisos, encantados com os próprios argumentos, certos de sua posse da verdade, e indiferentes aos argumentos alheios. Falam como quem se admira em um espelho, cheios de orgulho de suas posições. No entanto, é preciso lembrar: é no diálogo, na troca de ideias, que se pode construir a boa sociedade. Enfrentar os problemas passa por percebê-los, e isso exige ouvir críticas, opiniões contrárias, pontos de vista diversos.

A fim de valorizar a democracia, é preciso que nos habituemos à opinião diferente, recebendo-a com respeito, dando ao outro o direito de se fazer, igualmente, ouvir. Para tal, devemos clamar pelo fim da prática de "discursão" (não, caro leitor, não me equivoquei aqui, nem no título!): deixemos de ser autores de "grandes discursos" para nos entregarmos, enfim, ao diálogo, à comunicação composta de momentos de falar e momentos de ouvir. Estejamos dispostos a ser, além de oradores, auditórios, ouvintes. Chega de discursão, vamos à discussão – saindo da clausura de nossas opiniões e nos dando a liberdade de, talvez, sermos convencidos ou, pelo menos, de confirmarmos nossas opiniões a partir da reflexão daquilo que a elas se opõe.

Em política, discursão ainda é algo comum. Fala-se muito, ouve-se pouco. Mas, convenhamos: sem discussão, qualquer discurso, grande ou pequeno, pode se tornar uma forma de tentar colonizar o pensamento do outro, dominando-o com a sua verdade. Praticar a capacidade de ouvir é criar um hábito democrático. E, afinal, se a política nos envolve, é preciso que atuemos nela de forma democrática, habituando-nos ao que lhe é próprio. O que você acha?


Ivan Bilheiro é professor de Filosofia e Sociologia. Licenciado em História pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF), bacharel e licenciado em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), instituição na qual cursa o Mestrado em Ciência da Religião. É, também, especialista em Filosofia pela Universidade Gama Filho (UGF) e em Ciência da Religião pela UFJF.