Paulo César Paulo César 18/2/2013

Spielberg narra a luta do mítico presidente americano contra a escravidão em Lincoln

Steven Spielberg é um diretor apaixonado pela história da humanidade, por isso, vez ou outra direciona suas câmeras para fatos e acontecimentos que, de certa forma, mudaram o destino do planeta. Foi assim com seu melancólico A Cor Púrpura (85); o extraordinário A Lista de Schindler (93), considerado por muitos como seu melhor filme e um dos melhores do cinema mundial; o documental e tecnicamente perfeito O Resgate do Soldado Ryan (98) e, por fim, o sombrio Munique (05), todos que narravam, sob pontos de vista diversos, grandes passagens que aprendemos no livros de história. Agora, volta suas atenções e cria uma superprodução, de praxe, para contar os movimentos do mítico presidente americano para que a 13ª emenda, que aboliria a escravatura no país, fosse aprovada, mesmo que a manutenção de uma guerra fosse necessária para que o objetivo fosse alcançado.

O filme já se inicia em meio à Guerra Civil Americana ou Guerra de Sucessão (1861-1865) e na campanha do presidente Abraham Lincoln (Daniel Day-Lewis, assombroso) para que a emenda constitucional que colocaria fim à escravidão no país fosse aprovada. Entretanto, isso não seria fácil, já que a maioria do congresso era contra, pois isso poderia diluir a União. Porém, grandes políticos, como Thaddeus Stevens (Tommy Lee-Jones, impecável), conseguiram importantes aliados para que o "sim" vencesse a votação. Em meio a tudo isso, Lincoln ainda tem que lidar com os surtos de sua esposa Mary Todd (Sally Field, competente) que ainda sofre devido à perda de um filho, e a insatisfação de seu primogênito, Robert (Joseph Gordon-Levitt), que almeja ir aos campos de batalha.

Tony Kusher volta a fazer dupla com Spielberg depois de ter um bom trabalho em Munique (05), e novamente busca em um fato histório, um personagem dele específico, para coordenar todo um jogo de questões ideológicas que traçam uma dualidade visível em seus personagens. Mas, ao contrário do longa que narrava os acontecimentos do "Setembro Negro" durante as Olimpíadas de 1972, seu filme atual mantém uma relação mais cuidadosa e exageradamente respeitosa ao tratar de um assunto tão importante para o país. Seu Abraham Lincoln é, segundo historiadores, impecavelmente fiel, no entanto, há um certo endeusamento, uma forma de canonização acentuada, talvez pela admiração que os americanos têm pelo seu ex-presidente.

Na questão histórica, Lincoln realmente tratava a questão da escravidão, primeiramente em um plano secundário, pois as questões políticas e econômicas estavam a um estágio bem acima, e a forma como sua humanidade prevalece e a causa dos negros ganha importância se dá de maneira melodramática, o grande erro que impediu que filmes como A Cor Púrpura e O Regate do Soldado Ryan atingissem um estágio maior como cinema. Os excessos ficam evidentes na tensão do julgamento, nos encontros de Lincoln com os personagens negros e, principalmente, na trilha melódica de John Willians, que apesar disso, não deixa de ser sua melhor em anos.

Esta condição de melodrama tira o foco do exuberante trabalho de Steven Spielberg. Percebe-se que é um filme que foi feito com um carinho acima do normal, onde se segurou o tempo inteiro para não deixar que as cenas de ação da guerra sobressaíssem. É, com certeza, seu filme mais verborrágico e exigente para com o público, que em um só descuido deixa de entender o que está se passando. A fotografia também merece destaque, inclusive levando em conta os trabalhos anteriores de seu coloborador de longa data, Janusz Kaminski, é o mais objetivo, acompanhando o personagem central todo o tempo, em meio à obscuridade que a situação exigia.

O elenco, enorme e competente, tem a atuação esplêndida de Day-Lewis, que assim como seu personagem, pode entrar para história de seu país como o primeiro a vencer três Oscar na categoria principal, e o feito será merecido. Dentre outros grandes nomes do elenco está a veterana e sumida Sally Field, que mesmo que seu personagem sofra com os excessos do roteiro, consegue se controlar. Mas, talvez, o grande destaque seja Tommy Lee-Jones, pois nunca foi tão exigido quanto no papel de Stevens, e não decepciona e faz de cada minuto seu em cena sensacional.

É provável que Lincoln não ganhe tanta notoriedade por aqui, já que se trata de uma história doméstica de um filme americano. E nem seja tão bem recebido pela crítica pelos já falados excessos de carga melodramática, entretanto, é um filme que merece ser visto, principalmente pelo fator histórico, que querendo ou não, governou destino de muitas outras nações, e também pelas atuações competentes de seu elenco. Para Spielberg, fica a sensação que não foi desta vez que atingiu o ápice como em A Lista de Schindler, e um pouco frustante para os fãs por pensar que talvez jamais atingirá.


Paulo César da Silva é estudante de Jornalismo e autodidata em Cinema.
Escreveu e dirigiu um curta-metragem em 2010, Nicotina 2mg.

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