Kama Sutra é uma tentativa de não separar o sexo do amor

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Jussara Hadadd 14/10/2011

Eu só quero saber do que pode dar certo

O que é dar certo? O que pode dar certo? Não, melhor perguntar, como pode dar certo? E melhor, a quem perguntar? Como não errar?

O que é tacanho, quase sempre, é o pressuposto que sugere o erro. É pensar que sabe como fazer para tudo dar certo. Que não necessita do que o outro pensa, que o outro deve se enquadrar e pronto. Ou então, o ridículo imaginário que o outro pensa como você e deseja o mesmo que você. Ou o que é pior, que o outro está tão disposto quanto você.

É como alguém que acredita piamente que o tempo resolve tudo. Alguém um dia disse isto. É mais fácil e menos trabalhoso. Mas e se o outro prefere ajeitar as coisas, esclarecer, resolver se aceita ou não? Como assim o tempo resolve tudo? No máximo acomoda tudo e na maioria das vezes, por falta de comunicação, por omissão, oportunidades valiosas são perdidas. Bom, mas tem quem prefira ir pulando de galho em galho.

O sexo, se hoje em dia não estivesse tão banalizado, seria uma forma de aferir estas colocações. Mas em que outro âmbito da vida se pode analisá-las? Vamos fazer pelo sexo mesmo. Pelas posições sexuais, que são apresentadas como possibilidade de aumento de prazer.

Por exemplo, todas as 64 posições do Kama Sutra foram estudas e apresentadas ao mundo por um homem que sentiu e ouviu dizer de quem compartilhou com ele da experiência, que sentiu prazer ao executá-las. O maravilhoso livro do amor, o Kama Sutra de Vatsyayana. Quanta sabedoria, que bela intenção em ajudar aos casais que se amam, maneiras de explorar melhor seu encontro sexual. Quanta doçura em tentar não separar o sexo do amor. O olho no olho, as sensações que ultrapassam a região da genitália, que invadem a alma e o coração. A preocupação em fazer o outro feliz.

Hoje se fala em Kama Sutra como se bebe água. Vatsyayana deve estar se revirando no túmulo. Foi para o amor que ele o criou, que estudou, experienciou e divulgou. Tal sabedoria e arte, vendidas como artefato erótico para encontros profissionais ou fortuitos, resultado da incompetência em aprimorar junto a um amor o melhor do sexo.

As pessoas estão malucas. Estão buscando formas de prazer, intensidade de prazer em situações, com outras pessoas, com quem não tem a menor afinidade.

É como se, em um primeiro encontro, com alguém com quem nem um beijo trocou ainda, você quisesse ou pretendesse ter uma explosão de prazer, combinando as melhores posições do Kama Sutra, aquelas que você elegeu como melhores, sem ao menos saber se o seu parceiro, ao menos um dia, já ouviu falar em Kama Sutra. Quanta boçalidade.

Propostas como esta não foram criadas para seres imediatistas, iludidas e fora da realidade, que veem, em qualquer pessoa ou em qualquer coisa, um caminho para a felicidade. Não é bem assim, não é tão fácil assim. Por mais otimista que seja a visão de cada um, não é tão fácil assim.

Não nego que afinidade seja algo que se detecta instantaneamente e que seja possível um excelente resultado entre duas pessoas que se propõe a compartilhar em sexo, sem se conhecerem amplamente. Mas casos assim são raros e todo mundo está por aí, se engalfinhando com um e com outro, julgando e justificando ser, pelo menos, por afinidade.

Quer testar se foi ou não? Quando tudo acabar — você é um ser humano, tem algo a mais que simples instinto — tente não se sentir em um vácuo. Se isto acontecer, se alguma boa impressão for registrada, se um suspiro te subir ao peito, havia ao menos afinidade. Caso contrário, é como se você terminasse, lavasse o vibrador e o guardasse na gaveta para uma próxima vez. Ou já sairia dali, planejando um dia na semana que vem, planejando suas finanças para alugar novamente uma mocinha do sexo de plantão, a qual você não vai lembrar a fisionomia, meia hora depois. Vazio, pobre, veloz, fugaz.

Praticar o Kama Sutra nestas situações dá certo? Tem gente que acha que dá. E é possível que dê mesmo, depende da expectativa de cada um. Tem gente que se julga feliz, porque "deu uma bem dada", em duas posições maravilhosas do Kama Sutra. Ok, vá em frente. Se isto é bom para você. Felicidade é busca de cada um, é o dever único e irrevogável de cada pessoa.

Fazer dar certo, com outra pessoa, propõe, mesmo que não haja afinidade e muitas vezes não há um mínimo de acordo. Isto é possível. Não desistam tão fácil. Não acreditem que possa ser mais fácil sair por aí. As aparências enganam.

Casais que não se afinam em tudo, que no sexo têm opiniões diversas, mas que têm a inteligência de saber que tudo se ajusta, que podem se ajustar, olham para o Kama Sutra e combinam testar juntos as melhores posições. Que bela sacada. Em questões anatômicas especiais, em que o casal pode ter dificuldade em se encaixar para o sexo, o Kama Sutra vem como excelente auxílio, oferecendo inovação, ilustrando as possibilidades de encaixe de acordo com cada dificuldade. Que bênção.

Entre casais afins, as posições sexuais acontecem naturalmente, confortavelmente e o prazer vem de onde nem se imagina. Casais assim olham o Livro do Amor, as posições sugeridas e felizes descobrem que já fizeram esta ou aquela. Que já fizeram muitas delas. Que delícia.

Para casais que se dão super bem em tudo, ele vem como um manancial de novidades que possibilitarão este casal, viver sua gostosa rotina, variando, brincando, gozando da oportunidade de estarem juntos, construindo uma felicidade. Que felicidade.

Namastê.

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Jussara Hadadd é filósofa e terapeuta sexual feminina
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