Depoimentos marcam primeira reunião pública da Comissão da Verdade

Além de informar sobre as ações da Comissão, o encontro homenageou três opositores ao regime

Eduardo Maia
Repórter
26/06/2014
Comissão Municipal da Verdade

"A penitenciária de Linhares não hospedou presos políticos como falam por aí. Foi uma cadeia, que inclusive torturava presos políticos. A tortura é crime de lesa humanidade, imprescrítivel e inafiançável. Todos os torturadores deveriam responder criminalmente por isso e ser presos."

Em referência à penitenciária José Edson Cavalieri, situada no bairro Linhares, o membro da Comissão Estadual da Verdade, Betinho Duarte, manifestou um apelo pela revelação dos casos de tortura e violência durante o período da ditadura militar no Brasil (1964-1985). O depoimento foi prestado na primeira reunião pública da Comissão Municipal da Verdade, realizada na manhã desta quinta-feira, 26 de junho, no anfiteatro João Carriço, na sede da Funalfa. Além de Betinho, foram homenageados o ex-sindicalista e ex-deputado estadual juiz-forano Clodesmidt Riani e ao advogado Windston Jones Paiva, que defendeu mais de cem presos políticos durante o regime.

Duarte mencionou as dificuldades nos julgamentos realizados na 4ª Região Militar, em Juiz de Fora. Segundo ele, à época, as sentenças eram definidas de forma antecipada ao julgamento, o que dificultava qualquer defesa. "A 4º região militar era um centro de tortura e arbítrio. O Wilston mesmo defendeu vários presos. Não havia democracia no julgamento porque as sentenças eram definidas anteriormente. Não havia nenhuma liberdade. Tem o caso do advogado Afonso Plus que, ao defender um preso político, lhe foi dada a ordem de prisão por desacato a autoridade", revela.

No seu depoimento, Betinho mencionou ainda outros casos como o do militante político Milton Soares de Castro, que teve o corpo enterrado em Juiz de Fora como indigente. "No cemitério da cidade, um militante político que foi assassinado, foi enterrado como indigente. Ele participou da guerrilha do Caparaó, teve uma briga com um major. Cadê o laudo de como ele foi assassinado?  Eles forjavam todos os laudos. A comissão está começando agora mas o seu prazo tem que ser prorrogado indefinidamente. A verdade é uma só. Ela precisa ser estabelecida neste país."

Sobre o papel dos profissionais que saíram em defesa dos presos políticos junto à Justiça na época do regime, o advogado Windston Jones Paiva relatou os desafios diante dos tribunais militares. "Foi uma fase muito difícil. Os advogados foram descobrindo brechas na lei, leis mal feitas, inconstitucionais, que se resumiram em: seja qual for a motivação, como se pode processar alguém levando em conta os artigos. A lei era feita de tal forma que estabelecia um leque tão amplo de possibilidades que o advogado ficava tolhido de exercer o Direito", conta.

Ainda sobre a 4ª Região, Paiva destacou a importância do tribunal para as regiões do país, citando nomes que aqui foram julgados. "Em Juiz de Fora, é preciso apurar com muita tranquilidade esses casos que aconteceram. A 4ª região militar era um território de competência muito grande, que envolvia Brasília, Minas Gerais, parte de Goiás e o Espírito Santo.Todos os fatos que aconteciam nestes lugares. Como o caso de Ibiúna, dos três estudantes, um deles era o Tarso Genro, que foi julgado aqui em Juiz de Fora", relembra.

O ex-deputado estadual Clodesmidt Riani apresentou à comissão uma série de documentos do regime militar, entre eles políticas de Estado, leis, mandados de prisão e fotografias do período. Membro do Bureau International do Trabalho, ele falou sobre a dureza do período, citando, inclusive, momentos em que foi torturado. "Judiaram muito de mim, mas não conseguiram me matar. Éramos três deputados sindicalistas e dos três eu fui o que menos sofri", destaca. Ele entregou os documentos nas mãos da presidente da Comissão, Cristina Maria Couto Guerra, entre elas uma foto da presidente Dilma Rousseff sendo julgada ao lado do ex-ministro Fernando Pimentel.

Ações

A primeira reunião da Comissão Municipal da Verdade (CMV-JF) foi realizada para marcar o "Dia internacional em apoio às vítimas de tortura", instituído pela ONU, e o "Dia Municipal de Prevenção e Enfrentamento à Violência". Foram anunciados os primeiros resultados dos trabalhos, convênios e os canais de comunicação criados para permitir o contato dos cidadãos com a comissão. Uma parceria com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) possibilitará a cessão de vinte bolsistas para auxiliar à comissão no desenvolvimento das pesquisas.

O objetivo da CMJ-JF é contribuir para resgatar memórias da ditadura civil-militar (1964-1984) em Juiz de Fora, apurar casos de graves violações de direitos humanos ocorridos nesse período na cidade ou em outras localidades – desde que envolvendo juiz-foranos, e contribuir para a reparação social e para que a cidade se reconcilie com seu passado.

A Lei 12.643/12, que cria a Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora, é de autoria dos vereadores Flávio Cheker, Francisco Canalli e Rodrigo Mattos. Ela foi sancionada pelo prefeito Custódio Mattos (PSDB) e instituída em abril de 2014 pelo prefeito Bruno Siqueira (PMDB). São membros da comissão Antônio Henrique Duarte Lacerda (historiador), Cristina Maria Couto Guerra (advogada), Fernanda Nalon Sanglard (jornalista), Flávio Cheker (professor e secretário municipal de Desenvolvimento Social), Helena da Motta Salles (cientista política e professora), Roberto Cupolillo (professor e vereador) e Wilson Borrajo Cid (jornalista).

Comunicação

Para favorecer o envolvimento da população, foram criados canais de comunicação, a fim de que os juiz-foranos possam participar ativamente dos trabalhos (repassando informações, prestando depoimento, indicando fontes e encaminhando documentos), tirar dúvidas, sugerir pautas de discussão e fazer críticas.

Mensagens, depoimentos e qualquer tipo de colaboração com o trabalho podem ser enviadas por meio do telefone 0800 970 0707, por e-mail, pelo site ou conta no Facebook.

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