Paulo César Paulo César 17/2/2012


Scorsese emociona o público e homenageia o cinema em A Invenção de Hugo Cabret

Quando se pensa em um filme de Martin Scorsese vem logo à cabeça seus inúmeros feitos, como o áspero Taxi Driver (1976), o arrebatador Touro Indomável (1981), considerado por muitos seu melhor filme, e Os Infiltrados (2006), que lhe deu o único Oscar por direção. Entretanto, seu A Invenção de Hugo Cabret abandona a violência e a tensão de sua filmografia, e cria uma relação sublime entre emoção e arte, além de fazer uma justa homenagem a um dos pioneiros do cinema.

O filme conta a história do jovem Hugo Cabret (Asa Butterfield), um órfão que mora no relógio da estação de trem da Paris da década de 1920. Sua única companhia é um andróide que seu pai havia encontrado em um museu e não conseguiu terminar de consertar. Quando o menino termina o conserto com a ajuda da inteligente Isabelle (Chloe Moretz), descobre que o robô reproduz uma mensagem que mudará não só vida, mas como a de muitas pessoas à sua volta.

A adaptação feita por John Logan, com a ajuda do autor do livro homônimo Brian Selzenick, é brilhante. Sob a batuta de Scorsese, somos conduzidos a uma atmosfera aparentemente triste, porém amenizada pela forma como a história é contada. A obsessão de Hugo pelo robô nada mais é que uma forma que encontrou para manter vivo dentro de si o carinho que sentia pelo pai. O texto também prima por nos manter a par das tramas paralelas dos personagens que compõem o dia a dia da estação, para que, no fim das contas, o feito de Hugo tenha ainda mais valor. Quando a ficção se mistura à realidade e introduz Georges Meliès na trama, tudo fica à mercê do modo pelo qual o diretor decide transmitir seu amor pela arte cinematográfica, criando um paralelo entre as histórias.

Mesmo longe de discussões pesadas sobre conduta e dissecações da psique humana, o que é de praxe em suas obras, o diretor mantém o intimismo, e causa uma inevitável aproximação, muito menos angustiante que de costume, do público com o personagem. Cria a possibilidade de refletirmos sobre nossos sonhos e aspirações, sendo inevitável a emoção. A qualidade 3D, novidade na carreira do diretor, é uma mostra clara que a tecnologia nunca vai interromper a criatividade, e sim contribuir para que espetáculos visuais bem empregados tenham um deleite ainda maior em conluio com um roteiro bem amarrado.

Ben Kingsley tem uma atuação digna e honrada como o visionário Meliès, compondo um meio-termo entre o amalucado criador do histórico Viagem à Lua (1903), e o deprimido velho vendedor de bugigangas esquecido pelos avanços cinematográficos. Porém, o filme é dos jovens. A Isabelle de Chloe Moretz é adorável apesar do excentrismo comum em pessoas com uma inteligência abastada. Já Asa Butterfield apresenta uma segurança não vista em uma criança desde a ótima atuação de Haley Joel Osment em O Sexto Sentido (1999). A maneira como traz diversas facetas emocionais de seu Hugo, sem que crie interferências de representação entre elas, é louvável e deixa a sensação que foi um erro a Academia não ter nem o cogitado a uma indicação ao Oscar.

Terá quem critique Martin Scorsese com o já conhecido papo furado de que o filme tem muitas pretensões acadêmicas. Entretanto a única pretensão visível no filme é a de provar que a arte pode ser concebida também através da tecnologia. Além de ser uma justa homenagem a um homem que contribuiu para que o cinema pudesse se tornar um veículo de fantasias, em que todo mundo tivesse a oportunidade de visitar a lua a bordo de uma tela.

Mais críticas

Paulo César da Silva é estudante de Jornalismo e autodidata em Cinema.
Escreveu e dirigiu um curta-metragem em 2010, Nicotina 2mg.

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