Bloco do Beco chama JK para a folia da Brasília 5.0Enredo deste ano satiriza a corrupção na capital do país e é mais um episódio da história dos 38 anos de Carnaval e crítica política do Bloco do Beco

Clecius Campos
Repórter
12/2/2010

"Ei JK, venha K! Cadê aquele topetudo?" dizia a letra do enredo Brasília 5.0: a saga dos caraminguás apresentado na tarde desta sexta-feira, 12 de fevereiro, pelo Bloco do Beco (veja a letra abaixo). Com tradição de transformar em Carnaval os momentos políticos mais importantes de Juiz de Fora e do país, o grupo de foliões satirizou a corrupção em Brasília, no ano em que a cidade projetada por Oscar Niemeyer comemora 50 anos.

"Brasília é o paraíso da mutreta nacional. Quando Juscelino Kubitschek inventou de levar a capital para Brasília, houve um erro de percurso. Desde a fundação, usamos o Carnaval de rua como um veículo de protesto. Mas um protesto lúdico, leve, brincalhão. E este samba está bem na linha do bloco", explica o compositor do samba e fundador do bloco, Armando Aguiar, o Mamão. Ao longo dos 38 anos de história do Beco, diversos enredos críticos foram cantados pelas ruas centrais de Juiz de Fora na época de Carnaval.

Em 1985, após deixar a presidência da República, João Figueiredo fez comentários desagradáveis sobre os brasileiros e chegou a dizer que o povo tinha cheiro de cavalo. "Como forma de protesto, o Beco desfilou com o enredo O castigo anda a cavalo." Em 1986, a candidatura indireta do deputado federal Paulo Maluf à presidência da República pelo Partido Progressista (PP) também virou tema dos foliões. O enredo Quem Malufa o rabo estufa está presente até hoje na memória do sambista. "Na ocasião, a impressão foi de que a candidatura havia sido imposta pelo partido, o que causou indignação. Por isso, fizemos o samba."

A Assembleia Constituinte de 1988 serviu de base para o grupo, que criticou a movimentação política por uma nova Constituição e cantou Eu quero é reconstituinte. "O reconstituinte era um vinho revigorante, que dava ânimo. Uma espécie de Viagra da época. Enquanto os políticos reviam a Constituição, estávamos preocupados com a festa", brinca.

Em 1990, o confisco de todos os ativos financeiros do país, conduzido pela então ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, foi a inspiração para o enredo do Beco. Indignados com o dinheiro parado nas cadernetas de poupança, devido à implantação de um plano pela estabilização da moeda, o bloco desfilou no Centro da cidade cantando A Zélia tá de Chico, sátira ao casamento da ministra com o humorista Chico Anysio. "Aquele Carnaval foi uma piada."

Foto do bloco Foto de pessoas fantasiadas de políticos

O bloco criticou ainda a chegada do juizforano Itamar Franco à presidência da República, após a saída de Fernando Collor. O grupo duvidava da capacidade de decisão do político. "O tema do Beco naquele ano foi Budão. Queríamos cantar outra coisa, mas achamos melhor não pegar pesado."

A primeira eleição do ex-prefeito Alberto Bejani também virou samba-enredo. A campanha eleitoral que levou o radialista à liderança do governo municipal foi duramente criticada. "O tema era Bejami Mucho. Um samba-bolero, que implicava com o fato de o ex-prefeito ser muito populista. Cantamos beijei na mão de quem não conhecia e coisas do tipo. O samba ficou famoso antes do Carnaval e no dia do desfile, o então prefeito apareceu na rua e fez exatamente o que estávamos criticando: cumprimentou todo mundo e distribuiu sorrisos. Uma atitude populista e demagoga", alfineta.

Gente nova

A também fundadora do Bloco do Beco, Nancy de Carvalho (abaixo, à esquerda), lembra do primeiro desfile do grupo. "Éramos dez pessoas e estávamos na galeria. A intenção era descer até um antigo clube para pular o Carnaval. Mas não chegamos até lá, pois entrávamos em todos os bares no caminho", conta. No ano seguinte, o bloco foi instituído. Nancy, que é a primeira porta-bandeira de Juiz de Fora, diz que ao longo dos anos a grande mudança registrada foi o crescimento do bloco. "Todos os anos aparecem mais componentes e é sempre bom trazer gente nova, para que a tradição possa seguir por muitos anos." Nancy deixou seu posto este ano para a estreia da jovem de 17 anos, Pâmela Barbosa.

Foto de Nancy e Mamão Foto de Simone
Desfilando pelo segundo ano consecutivo, Simone Carvalho (acima, à direita) é exemplo da juventude que deseja estar para sempre no bloco. Escolhida uma das rainhas da bateria do bloco, ela afirma ter se apaixonado pelo Beco por apresentar um Carnaval inteligente. "As letras dependem de um estudo, de estar ligado com as situações políticas. Isso é muito legal." Ela não esconde a felicidade em participar da festa. "Sinto-me em casa perto dos fundadores, dessas pessoas que organizam o bloco com tanto amor. Minha intenção é ser rainha para sempre."
Foto da rainha da bateriaA saga dos caraminguás

Compositor: Mamão
Enredo: Brasília 5.0

A zorra começou em Diamantina
Onde apareceu JK
Filho da rezadeira e o cacique guerreiro
Da tribo dos caraminguás
E aí na raça e no peito
Logo virou prefeito e governador
Foi pro Rio de Janeiro
De saco cheio ele mudou pra capital

Um paraíso
De mutreta nacional
Se o bicho pega ninguém sabe, ninguém viu
Quem rouba mais nesse Brasil
Se o bicho pega ninguém sabe, ninguém viu
Quem mama nas tetas
Da nossa pátria mãe gentil

Vou de Brasília 5.0
Porque mamãe eu quero
Eu também quero mamar

Ei JK venha K
Cadê aquele topetudo?
Entrou na onda do sapo barbudo
Tomou um porre pra brincar o Carnaval

Os textos são revisados por Madalena Fernandes